Os sábios preferem o mar, enquanto os benevolentes preferem as montanhas. Um mistério que começa nas montanhas e acaba no mar. Um desejo insatisfeito e um amor que não se pode realizar. O que parece ser ao início um whodunnit convencional é transformado pelo olhar de Park Chan-wook em algo profundamente mais complexo. A investigação da morte de um homem que escalava uma montanha torna-se num jogo de sensações quando o detetive Hae-joon parece apaixonar-se pela única suspeita, a mulher do falecido, Seo-rae, cuja identidade está coberta de névoa tal como as suas intenções. A investigação de um crime torna-se em algo mais.
Com uma realização que possui um domínio tremendo sobre o meio cinematográfico, cada imagem, cada movimento, cada frase sussurrada ganham uma possibilidade de significados que nos emaranham numa teia de desejo e paixão. Neste thriller policial, não é o crime que interessa ao espectador, mas um mistério que se revela muito mais profundo e que se desenvolve entre estes dois personagens que se cruzam nesta história. Subtilmente, o erotismo na interrogação que o detetive Hae-joon faz a Seo-rae torna-se central no filme, não sendo a informação que é revelada nesta que é importante, mas o que fica suspenso na tensão do ar da sala. Da mesma forma, a vigilância que o detetive faz do quotidiano da suspeita torna-se num exercício de voyeurismo intoxicante que revela mais sobre as personagens e a sua relação do que sobre o crime.
“Decisão de Partir” é mais que um policial e é mais que um romance. Esta envolto numa névoa de ambiguidade, em que o enredo constantemente se revela como sendo algo diferente do que parece ser. O que parece ser um vestido verde é um vestido azul; o que parece ser um padrão de montanhas é um padrão de ondas do mar; o que parece ser uma interrogação é uma sedução. Chan-wook brinca de uma forma brilhante com esta ambiguidade, nunca deixando o espectador em solo firme. É esta ambiguidade que domina o argumento de Chan-wook e Chung Seo-kyung que torna este filme tão imersivo, puxando-nos para a sua teia de paixões e desejos e não nos largando até ao seu fim poeticamente avassalador.
Este efeito é elevado pela química igualmente ambígua e intoxicante entre Park Hae-il e Tang Wei, que eletrifica cada momento em que estão juntos no ecrã. A dinâmica entre os dois, de uma forma subtil, torna a investigação central ao filme num jogo deliciosamente perigoso, em que os sentimentos entre as duas personagens se tornam nas peças centrais neste xadrez de paixões. Tang Wei, em particular, revela-se como sendo a estrela do filme, tendo uma presença hipnótica, cativando o espectador através do mistério que envolve a sua personagem – a chave para esse mistério aparentando estar presente no seu olhar provocador, mas nunca sendo revelada ao espectador (ou a Hae-joon). Desta forma, a sua personagem é uma femme fatale no seu sentido mais autêntico, destabilizando o mundo ordenado e calculista dos homens que a tentam possuir.
Mais do que um thriller, mais do que um neo-noir, mais do que um romance perigoso, “Decisão de Partir” é um puzzle cinematográfico poético sobre emoções profundas que crepitam violentamente por debaixo de uma superfície que pouco revela. Park Chan-wook não procura desvendar o crime superficialmente central ao seu enredo, mas sim o desejo que arde dentro destas duas personagens. Desejo esse que é uma emoção demasiado complexa para ter uma resposta simples. Desejo esse que é um puzzle irresolvível.
O filme foi nomeado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, sendo que Park Chan-wook foi o vencedor na categoria de Melhor Realização. O filme estreia nas salas de cinema portuguesas já no dia 1 de Dezembro.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.