O filme revelação da temporada, Óscar de Melhor Filme Internacional e Prémio FIPRESCI em Cannes vai ficar disponível na Filmin Portugal a partir do dia 9 de Junho. Uma verdadeira obra-prima que consolidou o seu realizador, Ryusuke Hamaguchi, como um dos mais populares autores asiáticos do momento. “Drive My Car” é baseado num conto do livro “Homens sem Mulheres” de Haruki Murakami.
Um homem e uma mulher, quando fazem sexo, contam um ao outro uma história que pode vir a ser uma série televisiva. Mas essa história será pura ficção? Ou existe algo mais escondido nas implicações, nos detalhes mais picantes? O desejo de contar algo sobre que não haveria coragem de dizer de outra forma? Quem já viu o filme anterior de Ryusuke Hamaguchi (‘Roda da Fortuna e da Fantasia‘, que também está disponível na Filmin Portugal) sabe que as palavras para o realizador japonês nunca são neutras, sempre revelam algo sobre nós mesmos. Assim é em ‘Drive My Car’, onde a aventura da estudante apaixonada e intrusiva acaba por revelar a insatisfação e ansiedade da sua autora, apaixonada pelo marido, mas pronta a ceder à tentação de uma aventura com um jovem actor, Koji (Masaki Okada).
Já haveria material para um filme (sem esquecer as viagens de carro de Yusuke durante as quais ele ouve a fita onde a sua esposa gravou “Tio Vânia” de Chekhov para ele praticar o próximo texto que vai encenar), mas o genérico só chega depois de 40 minutos para deixar claro ao espectador que o que ele viu é apenas uma “introdução”. Uma espécie de “afinação” das personagens, que outros autores talvez tenham resumido em algumas linhas do diálogo.
Hamaguchi mostra-nos as personagens no momento crucial para eles, onde ganham forma através das palavras. As maneiras pelas quais as pessoas falam e reagem ao que os outros dizem nunca são neutras e o trabalho de Hamaguchi é filmar como as palavras tomam forma. É uma característica dos seus filmes, inclusive o belíssimo ‘Happy Hour‘ (também disponível na Filmin Portugal). Por isso o filme (que continua por duas horas e vinte minutos após os créditos iniciais) é todo um longo e meticuloso confronto através dos diálogos. Convidado em Hiroshima para encenar o texto de Chekhov com actores de diferentes formações, culturas, e línguas, Yusuke acabará por se confrontar com o que o texto do dramaturgo russo faz ressoar na sua memória e no seu coração. “Drive My Car” è também sobre a relação do protagonista com a jovem motorista (Toko Miura) que todos os dias o leva do hotel para o teatro e vice-versa. A motorista aos poucos vai entrar na dinâmica que ilumina todo o filme, que escava na alma das pessoas através das ressonâncias das palavras.
“Drive My Car” é um filme difícil? Pelo contrário, é um filme de uma linearidade e simplicidade esmagadora, onde Chekhov, Murakami e Hamaguchi se entrelaçam para oferecer ao espectador um corte aberto no coração humano.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Gianmaria Secci.