Uma nova pandemia que provoca amnésia assola a humanidade. Na solidão deste mundo doente, três jovens queer deambulam por São Paulo, explorando as suas ruas cobertas por graffiti, expressão da angústia da cidade. Através da visão audaz de Gustavo Vinagre, acompanhamos uma jornada pela crise do capitalismo de uma perspetiva queer. Uma jornada noite adentro, quando pensamentos notívagos acordam e a realidade é substituída por loucura psicadélica sensual e sexual. “Três Tigres Tristes” é um retrato de uma cidade, de um país em declínio, e de um mundo mergulhado numa crise existencial.
Durante tempos de crise, comunidades marginais tendem a ser silenciadas e esquecidas. Através do uso de uma pandemia que faz as pessoas esquecer, Vinagre cria uma alegoria inteligente sobre a condição em que estes três personagens se encontram, em que, estando isolados numa sociedade que os discrimina, têm de criar laços de apoio entre uns e outros. Começando com um tom de mumblecore, em que seguimos as deambulações destes personagens peculiares (mas, ao mesmo tempo, tão vulgares), entramos no seu mundo. Somos envolvidos nas suas preocupações e vivências, nos seus medos e nos seus traumas, ativamente silenciados por uma sociedade violentamente normativa.
Mesmo neste início mais assente num realismo, encontra-se de uma certa forma inquietantemente surreal. Esta estranheza que envolve o filme vai-se intensificando com o progresso deste dia que o filme segue. É neste surrealismo que permeia o filme que encontramos a crueza e a verdade que este revela neste mundo em queda em espiral, cada vez mais rápido, enlouquecido e alienado. Com um humor acídico e irreverentemente queer, o filme perde as estribeiras e entra no delírio puro, envolvendo-nos finalmente no seu sonho louco e loucamente queer, em que qualquer norma social desaparece e é esquecida. Sempre de forma audaz, imagens jorram do ecrã, pejadas de humor inteligente e queerness, apresentando em si um desejo de uma sexualidade liberta que explode dentro dos confinamentos de uma sociedade capitalista que a tenta controlar e comercializar.
Três Tigres Tristes é um corajoso grito de libertação queer, expressando-se com uma liberdade desenfreada e contagiante, celebrando a quebra do normativo e satirizando os aspetos conservadores da sociedade brasileira. Através deste filme, Gustavo Vinagre reforça a sua posição como um dos realizadores atuais com uma visão mais original e inteligentemente desafiante, com um estilo audaz, produzindo um cinema queer verdadeiramente liberto que devia ser tomado como exemplo para tanto cinema queer produzido atualmente. O seu cinema é um cinema que totalmente subverte qualquer tentativa de assimilação heteronormativa que tanto assola o cinema (e a comunidade) queer moderno. É cinema queer no sentido pleno da palavra, e é estonteante e maravilhoso.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.