Tenho andado mais desaparecido. Fui vítima do arrogante sentimento de cansaço face a algo que pensei começar a conhecer na sua totalidade. A verdade é que, nos últimos tempos, andava a sofrer de uma ausência de fascínio pela sétima arte. Em parte, devido ao facto de andar a trabalhar o cinema como meio teórico há já vários meses, em parte porque começava a sentir que esse estudo profundo me estava a levar para caminhos de clareza desanimadora face ao não relevante papel espiritual do cinema na sociedade.
É no decorrer desta dúvida existencial face ao papel transformador do cinema na vida das pessoas que começo a explorar obra de Theodoros Angelopoulos. Há muito que procurava os filmes do realizador grego, mas nunca o momento foi mais oportuno que aquele em que agora me encontro. Considerado por Paul Schrader, na sua obra fundamental “Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer”, como um dos realizadores espirituais o mestre grego tem no seu cinema uma vertente fundamentalmente transcendental. Angelopoulos fez cinema alegórico, onde levou os diálogos, movimentos de câmera, banda sonora e representação a mostrarem algo que na verdade não mostravam por imagens, sons ou palavras.
Se acham que estou a exagerar vejam o que disse o grande crítico americano Roger Ebert sobre “Landscape in the Mist” (1988): “This is what cinema is all about, filmmakers bringing words to life by painting with light. Angelopoulos encapsulates the very essence of the entire medium of film within the first few moments of his masterpiece”. De repente os elogios que até agora teci ao realizador grego são modestos. Mas de facto, como era comum, Ebert estava correto. Em “Landscape in the Mist” Angelopoulos consegue não só demonstrar a essência do cinema enquanto arte, mas também do ser humano enquanto criatura.
A história que nos é contada tem uma premissa simples. Dois irmãos gregos, Alexandros de 5 anos e Voula de 11 anos, fogem de casa da mãe numa viagem em busca do pai que não conhecem mas supõe estar na Alemanha a milhares de quilómetros de distância. Sobre as razões para esta demanda épica e as personagens que a circundam pouco sabemos. Nunca vemos os pais das crianças e pouco percebemos sobre as suas verdadeiras intenções. Em apenas 2 horas e 6 minutos Angelopoulos serve-se desta viagem solitária das duas crianças para refletir sobre toda a existência humana de uma maneira categórica. Ao longo da sua viagem vão conhecendo diversos personagens, alguns bons e alguns maus, alguns que lhes querem bem e outros que se irão aproveitar deles. O trauma está presente mas, tal como nas nossas vidas, há momentos em que tudo parece fazer sentido. O destino é incerto e, por isso, assustador, no entanto parece interessar menos do que os obstáculos que são percorridos até lá chegar.
Numa das falas mais bonitas do filme um homem que ajuda as crianças a chegar onde querem ir reflete sobre a sua condição de inocência e risco: “é como se não se importassem com o passar do tempo, no entanto, sei que têm pressa de partir. Como se não fossem para lugar nenhum, no entanto, estão a ir para um lugar específico.” Tirando esta frase do contexto do filme podemos usá-lo para quase todos os momentos da nossa vida. A viagem aqui traçada nada mais é do que a própria existência humana compreendida no caminho para um lugar incerto, à procura de um sentido e origem para aquilo que nos é mais íntimo.
Theodoro Angelopoulos nasceu, viveu e filmou na Grécia. Certamente inspirado pelos filósofos da antiguidade do seu país criou cinema de dimensões poéticas e transcendentais. Em “Landscape in the Mist”, a mais bela e alegórica obra da sua carreia, mostrou uma das mais belas histórias da sétima arte, tão moderna como o cinema, tão intemporal como as epopeias da Grécia antiga.