Destaques Cinema 2022 - Equipa do Cinema em Portugal

Os destaques do Cinema em 2022 pela nossa equipa

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A equipa que contribui para este pequeno espaço de crítica e de partilha cinematográfica em Portugal, decidiu escrever este artigo como uma forma de recordar o ano cinematográfico de 2022, os seus destaques, os filmes que gostaram mais e que gostaram menos, e ainda algumas palavras sobre este ano de 2023 que já se iniciou.

Esperemos que apreciem esta leitura, e fiquem abaixo com a nossa opinião.

Bernardo Freire:

A mudança de ano tornou-se no pretexto clássico para uma erupção de tops e listas de tudo e mais alguma coisa. O mérito costuma ser o mote da enumeração, com o gosto a pautar aquele que é, em última instância, um elenco profundamente pessoal. Contudo, este texto não se esgota na excelência do cinema, antes naquilo que, de uma forma ou de outra, me surpreendeu ao longo do ano. Os números, filmes, personalidades ou cinematografias que tornaram a minha interação com o cinema mais rica e interessante.

Antes de mais, uma constatação: apesar de 2022 ter sido bastante difícil no plano económico e social, os dados divulgados pelo Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) são positivos. Entre janeiro e novembro os cinemas nacionais acolheram 8.360.487 espetadores, mais 84% do que no mesmo período de 2021, quando se registaram apenas 4.541.669 entradas. São números animadores, mesmo que ainda fiquem aquém dos verificados em 2019, o último ano que não foi afetado pela pandemia.

Com esta nota, avanço para uma produção norte-americana que me apanhou em falso. Sem espanto, Top Gun: Maverick contribuiu bastante para o sucesso da bilheteira. O que não contava era que fosse um dos filmes de ação mais entusiasmantes dos últimos anos. Com uma coreografia e propulsão notáveis, foi muito agradável perceber o efeito contágio que Tom Cruise e companhia conseguiram gerar. Enquanto cético do filme original, esta foi sem dúvida a sequela que não sabia que precisava.

Ao contrário de um bom filme de terror, pois disso sei que estou sempre a precisar. Ora, 2022 foi gracioso para o género. Citar You Won’t Be Alone, Smile e Barbarian chegava para ilustrar o ponto. Porém, houve uma dupla-revelação que se destacou dos demais. Falo da atriz Mia Goth e do realizador Ti West, que tiveram não uma, mas duas suculentas produções de horror. X, um notável exemplo de cinema pastiche sobre uma equipa de rodagens que escolhe fazer um filme porno no sítio errado, à hora errada; e Pearl, sua prequela, que elabora um estudo de personagem relativo à infância da personagem central. É refrescante ver uma parelha de ator e realizador a trabalhar o género com tanto carinho. Aguardo com expetativa a conclusão desta trilogia, MaXXXine, que tem data de estreia prevista para 2023.

Enquanto aguardamos, há que passar por França, país de belíssima tradição cinematográfica e o responsável por uma das sessões mais intrigantes deste ano. Trata-se de Tralala, comédia musical realizada pelos irmãos Larrieu. Uma história de ressuscitação e desfalque identitário, que coloca em cena um cantor e compositor marginado numa procura pela sua Virgem Maria enquanto encarna um guitarrista que despareceu há muitos anos. Com estilo, estrutura e extravagância próprios, este é um daqueles filmes impossíveis de ignorar, para o bem ou para o mal.

Perante tanto cinema, muitos são os filmes que vêm e vão. Sem um pouco zelo, torna-se difícil encontrar obras irresistíveis. Sobretudo numa era em que a nossa atenção tem de estar em tudo, em todo o lado e, de preferência, ao mesmo tempo. No meio da azáfama, haverá tempo para pensar? Qual é o sentido do que fazemos? Valerá a pena? Estas são algumas das questões que ocupam o cerne temático de Everything Everywhere All at Once. Produção que entrelaça ficção científica, comédia, fantasia, artes marciais e drama familiar de forma caleidoscópica e com um forte argumento contra a corrente filosófica do niilismo. Escrito e realizado por Dan Kwan e Daniel Scheiner (os Daniel’s), este é um acontecimento singular na história do cinema que tem o seu devido lugar de ouro no pódio vindouro.

Por último, realço a surpreendente consistência da cinematografia iraniana. Como é hábito, tiro o chapéu ao veterano Asghar Farhadi pela escrita e realização de A Hero, onde prova que ainda não disse tudo o que havia para dizer em matéria de moralidade. Por outro lado, elogio um recém-chegado, Panah Panahi, filho de Jafar Panahi, que revela com Hit the Road que o talento corre na família. Este elogio coletivo estende-se a Ballad of a White Cow, de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, e Just 6.5, de Saeed Roustayi, cuja obra seguinte, Leila’s Brothers, também estreou em 2022 nas salas nacionais.

Estes foram algumas das surpresas do ano, seja por não estar genuinamente à espera ou por me maravilharem vezes sem conta. Foi um ano multifacetado e irrequieto, com o cinema novamente a beber e a competir com as mais variadas formas de arte e entretenimento. Em tempos de resistência social e económica, com o mundo a avançar mais rápido do que muitas vezes conseguimos acompanhar, o cinema está também a reencontrar o seu lugar. E precisa, como sempre, da nossa ajuda para a promoção de uma cinefilia saudável, plural e sustentável. Bons filmes e votos de um excelente 2023.

Francisco Gomes:

2022 foi um ano marcado pelo regresso de alguns dos melhores realizadores vivos ao grande ecrã. James Cameron, Spielberg, Cronenberg, Noah Baumbach ou Alejandro Iñárritu são apenas alguns dos nomes mais sonantes que lançaram filmes no ano que agora chegou ao fim. Acontece que, olhando em retrospectiva e sabendo que ainda me faltam ver alguns dos filmes mais importantes do ano – Babylon, TÁR, Pinóquio, Empire of Light são as maiores falhas – 2022 foi um período de regressos que deixaram a desejar.

Avatar 2” está a anos luz da qualidade do primeiro, vivendo agora somente da virtude técnica que pode acrescentar a uma história gasta e perigosamente cansativa. David Cronenberg volta com os temas de sempre mas de maneira bem mais superficial, quase amadora na pouca exploração daquilo que tenta retratar. “BARDO” é dos filmes mais pretensiosos que já vi, uma confusão pegada que procura ser um “8 e Meio” de Fellini, não percebendo o Iñárritu que não tem a qualidade do realizador italiano. “White Noise” é um ato de coragem pois o livro do Don Delillo era, até agora, considerado inadaptável. No entanto, Baumbach é um realizador que encontra a sua maior qualidade nos argumentos que escreve e não nas adaptações de outros.

Apesar de tudo isto, houve bastantes filmes que surpreenderam e alguns que vieram trazer esperança para uma vaga de realizadores jovens da nova Hollywood. É importante lembrar que “Aftersun” é a primeira longa-metragem de Charlotte Wells, “Everything Everywhere All at Once” apenas o segundo filme dos Daniels e “Nope” o terceiro de Jordan Peele.

Desejando que 2023 seja um ano mais forte (depois de ver o trailer de “Barbie” é difícil não ficar confiante) aqui ficam os 10 filmes que mais gostei de ver em 2022:

– “Aftersun” de Charlotte Wells

– “The Banshees of Inisherin” de Martin Mcdonagh

– “Top Gun: Maverick” de Joseph Kosinski

– “Nope” de Jordan Peele

– “Triangle of Sadness” de Rúben Ostlund

– “Everything Everywhere All at Once” dos Daniels

– “The Whale” de Darren Aronofsky

– “The Fabelmans” de Steven Spielberg

– “All The Beauty and The Bloodshed” de Laura Poitras

– “Bones and All” de Luca Guadagnino

Gianmaria Secci:

2022 foi para mim um ano onde fui muito pouco ao cinema. Vi poucos filmes, tenho uma lista dos títulos de 2022 que ainda tenho que ver (os filmes do Cronenberg, Iñárritu, Del Toro, Spielberg, entre outros). A minha consideração em geral, sobre o cinema contemporâneo, é que é muito raro encontrar filmes que me surpreendam e emocionem. Os estúdios de Hollywood são sempre mais focados em filmes de super-heróis, “biopics”, filmes históricos ou baseados em novelas. Também no cinema internacional há sempre mais a tendência de comprar direitos de filmes que tiveram sucesso num país, e fazer o mesmo filme com atores ‘locais’ num outro país. Vi filmes franceses ‘copiados’ de Itália (o mais famoso é “8 Mulheres e um Mistério”, o original é do Francois Ozon), ou filmes Italianos refilmados em Espanha e na Bélgica (“Amigos Amigos, Telemóveis à Parte” do Paulo Genovese). Por essa razão sinto-me menos motivado a ir ao cinema. Há obras interessantes e bem realizadas mas encontrar algo “Wow!”, é muito difícil.

O único filme que vi no cinema em 2022 e que adorei e me emocionou muito foi o “Licorice Pizza” do Paul Thomas Anderson. É um filme simples na sua forma, mas tem grandes performances dos atores.

Outro filme muito interessante é “Triângulo da Tristeza“. Um olhar divertido sobre as relações de poder na sociedade contemporânea.

Um filme que me deixou bastante “decepcionado” foi “Avatar 2”. A expectativa era muito alta, o filme tem alguns momentos bons mas a trama é muito previsível e também os efeitos especiais já não surpreendem mais. O primeiro “Avatar” foi pioneiro, este segundo capítulo não acrescenta nada.

Amesterdão” de David O. Russell é um filme de bom entretenimento, mas nada mais do que isso. Acho que outros filmes desse realizador são bem melhores (“The Fighter” ou “American Hustle”). Também o “Elvis” do Baz Lurhmanh não me convenceu muito, recuperei o filme do Elvis realizado pelo John Carpenter em 1979 (“Elvis Não Morreu”), protagonizado pelo Kurt Russel. É um filme de baixo orçamento, mas muito interessante.

Mas o pior filme que vi este ano foi o filme biográfico sobre a Marilyn Monroe (“Blonde” de Andrew Dominik). A Marilyn é apresentanda como uma vítima em todos os 166 minutos do filme. Nem um momento de felicidade, ou pelo menos de tranquilidade, coitadinha. O estilo é “grotesco” e hiper-realístico. Tive imensa dificuldade de ver o filme até ao fim.

O que esperar para o 2023? A tendência geral acho que não vai mudar, mas há alguns filmes que podem ser interessantes:

Babylon (Damien Chazelle)

Empire of Light (Sam Mendes)

Oppenheimer (Christopher Nolan)

Barbie (Greta Gerwig)

Dune – Part 2 (Denis Villeneuve)

Killers of the Flower Moon (Martin Scorsese)

Um bom 2023 a todos, e bom filmes nas salas de cinema!

Jasmim Bettencourt:

Ainda a viver alguns solavancos pós-pandemia, o cinema teve mais um ano em que nos trouxe filmes de todo o mundo fascinantes e com impacto. Apesar do cinema americano e mainstream parecer estar a viver num período de crise, com a dominância de um tipo de cinema que sufoca visões alternativas do cinema, não quer dizer que não tenham existido os que tenham saído deste paradigma e tenham-nos trazido algo refrescante e com impacto.

Dos maiores sucessos e dos filmes mais interessantes do ano, temos Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo, uma história de multiversos que no entanto é na verdade uma história sobre família e relações interpessoais. Através do uso de um conceito científico complexo que pode nos fazer sentir pequenos, Daniel Kwan e Daniel Scheinert constroem uma história que nos faz perceber as coisas realmente importantes na vida, independentemente do quão pequenas sejam, fazendo com que este filme seja uma experiência única, deslumbrante, e profundamente tocante na sala de cinema.

Apesar deste fenómeno de crise no cinema americano e mainstream, parece-me que nunca se viveu num tempo mais criativo por todo o mundo no cinema, existindo filmes fascinantes e surpreendentemente criativos de todo o mundo. Vindo da Coreia do Sul, está outro grande destaque do ano. Um mistério policial ilusório, Decisão de Partir de Park Chan-Wook é um filme que nos desafia, usando o seu género para explorar um mistério ainda maior do que o crime no seu centro: o mistério do amor e da humanidade. Joyland de Saim Sadiq também é um destaque do cinema asiático, contando a história belíssima do romance entre um homem cis e uma mulher trans numa sociedade claustrofobicamente conservadora.

Ainda só estando no circuito de festivais, o filme brasileiro Três Tigres Tristes é outro destaque, oferecendo uma visão queer e delirante do nosso mundo pós-COVID. Gustavo Vinagre, com este filme, demonstra a criatividade que ainda reside no cinema apesar de qualquer crise que este e o mundo em geral vivam através de um delírio cinematográfico deliciosamente queer e ferozmente anti-capitalista. Também tendo tido só estreia em festivais, o realizador bielo-russo Nikita Lavretski também demonstra a criatividade do cinema mesmo nos ambientes mais hostis em A Date in Minsk, em que a vida privada de um casal num primeiro encontro e o seu registo cinematográfico se tornam num ato corajosamente político. Também ainda sem estreia nacional e tendo só passado em circuito de festivais, mas que também demonstra a criatividade incrível presente no cinema, está EO de Jerzy Skolimowski, em que é seguida a vida atribulada de um burro. Através de uma cinematografia belíssima e uma edição inovadora, somos colocados no ponto de vista do burro protagonista deste filme, vendo a loucura do mundo humano, o mundo a que chamamos de civilizado. É uma experiência fascinante que demonstra as fronteiras que o cinema ainda consegue subverter.

A nível nacional, também foi um ano em que o cinema português ofereceu visões interessantes. Destacam-se Alma Viva de Cristèle Alves Meira, um retrato do luto no mundo confuso da infância, Fogo-Fátuo, de João Pedro Rodrigues, uma fantasia musical delirante de símbolos nacionais, bombeiros, e queerness, e Lobo & Cão, um retrato belíssimo de juventude queer num meio conservador e fechado.

2022 foi um ano de continuação e surgimento de crises, mas a sétima arte ainda está cá para nos trazer histórias que nos tocam, emocionam, e mostram outros mundos e vidas que nos ajudam a pensar no mundo à nossa volta (e até o mundo dentro de nós). Mesmo passando por tempos difíceis, o cinema e a criatividade humana estão longe de morrer, e os filmes que estrearam este ano provam isso.

André Marques:

O ano passado marcou um pequeno ressurgimento nas artes no geral, com uma libertação maior após o pico da pandemia e com a abertura e o retorno do público de forma contante às salas de cinema e de espectáculos. Quanto a mim, foi um ano mais produtivo do que 2021 (apesar de continuar a ter visto pouco cinema recente, estreado em 2022), onde pude ver mais filmes, mas gostaria de partilhar aqui aqueles que me tocaram mais na alma e que achei que se conseguiram distinguir no mar de estreias que assolaram 2022, muitas delas tendo sido estreias adiadas devido à inconstante ligada à pandemia que todos atravessámos.

O ano começou com um dos filmes mais tocantes para mim, e que marca o cinema pelo seu formato e género, em que realiza uma mistura poderosa entre animação e documentário como nunca tinha visto antes. Estou a falar de “Flee – A Fuga” do realizador Jonas Poher Rasmussen.

Mais recentemente tenho de destacar três filmes muito diferentes entre si, sendo curioso que dois deles são de realizadores mexicanos, e que mostraram, na minha óptica, uma visão única em relação aos temas que abordam, e isso é algo que me atrai muito no cinema e nas histórias que conseguem trazer algo de novo ao cinema. Esses filmes são: “Triângulo da Tristeza” de Ruben Östlund, “Pinóquio” de Guillermo Del Toro e “BARDO, Falsa Crónica de Umas Quantas Verdades” de Alejandro González Iñárritu.

Outros filmes surpreendentes que vi em 2022, mas que foram produzidos anteriormente, foram os seguintes: “Laranjas Sangrentas” de Jean-Christophe Meurisse e “Quando neva na Anatólia” de Ferit Karahan.

Espero que 2023 também traga títulos entusiasmantes e únicos, e que as salas de cinema voltem a encher e que os Festivais de Cinema tenham ainda maior adesão e divulgação.

Obrigado por nos acompanharem desse lado!

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