Nem sempre a família é um porto seguro e nem sempre estamos preparados para os seus segredos. Quando Edward, depois de passar a sua vida à procura da sua família, a descobre e se muda para o seu palácio no interior de uma sinistra floresta em Portugal, nada o preparará para o segredo monstruoso que esconde. Depois de um dos filmes mais originais do cinema português, Diamantino, Gabriel Abrantes volta com algo mais convencional, mas não menos idiossincrático em A Semente do Mal, que tem a sua estreia europeia no MotelX este ano.
Seguindo um enredo clássico de terror, o que torna este filme cativante é a sua sensibilidade camp. Utilizando o cenário de um palácio romântico em Sintra, a artificialidade natural deste ambiente é usada para criar camadas de tensão e humor que se misturam para criar uma sensação característica. A potencial convencionalidade do filme é contrariada pela forma como Abrantes exagera certos aspetos quer do cenário como do género (ou dos géneros) de terror que explora. Desta forma, é criado um ambiente bizarro que se entranha em nós.
Central para o filme é a cinematografia e, mais especificamente, a forma como esta realça os aspetos camp da arquitetura do palácio em que o filme se desenrola. Como Susan Sontag afirma em “Notes on ‘Camp’”, camp é a sensibilidade do exagerado e artificial. Este aspeto é realçado perfeitamente em A Semente do Mal ao colocar o centro do enredo num palácio romântico com decoração e cores extravagantes, cuja artificialidade contrasta com o mundo natural que o rodeia e isola. Este aspeto também está presente na vilã central do filme, Amélia, a mãe de Edward, cuja cara está completamente alterada por cirurgias plásticas. O seu aspeto físico torna-a numa presença completamente artificial que contribui para esta campiness do filme, que possui humor, mas também tensão que nos gela.
Essa presença é realçada pela interpretação dificilmente esquecível de Anabela Moreira, cujo olhar por trás de uma máscara de próteses cria uma sensação de desconforto à volta deste personagem que nos agarra. Acompanhada pela dupla interpretação de Carloto Cotta, que incorpora dois irmãos gémeos que não podiam ser mais diferenciados, e pela interpretação digna de uma verdadeira heroína de terror por parte de Brigette Lundy-Paine, Anabela Moreira torna-se verdadeiramente no aspeto central e mais cativante deste horror camp e bizarro, criando uma vilã de terror pela qual é difícil não ficar fascinado.
A Semente do Mal é um filme que, à primeira vista, apresenta-se como um filme de terror cliché. Mas ao mergulhar-se mais profundamente nesta história de terror familiar, cujos segredos são lentamente revelados para o choque do espectador, é possível encontrar algo com uma voz distinta e que se entranha. Através da sua artificialidade camp, já característica de Abrantes, somos transportados para um tipo de filme que, fazendo-nos lembrar de filmes de terror gótico dos anos 60, contém algo de profundamente moderno, jogando com mestria com as diferentes contradições no seu interior: entre campo e cidade, isolação e ligação, natural e artificial, antigo e novo.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.