Uma rapariga caminha sozinha numa zona baldia nos subúrbios do sul da Califórnia. Caminha em diante, de auscultadores nos ouvidos e smartphone em punho. Trauteia baixinho, sob um sol tímido. Estará a amanhecer ou a despedir-se? Saber-se-á de seguida. Para já o que se vê no plano geral de boas-vindas de Nunca Chove na Califórnia é uma figura diminuta, cercada por uma rede de postes elétricos. E lá vai ela, pondo um pé à frente do outro, para um destino que para nós é desconhecido.
A dimensão do isolamento, do refúgio, é parte fundamental dos signos que a cineasta norte-americana Jamie Dack (na sua estreia em longas-metragens) pretende discutir com esta obra, que tem por base uma curta homónima que realizara em 2018. Já nesse ano, também narrava um encontro entre uma adolescente desamparada e um homem mais velho, que a aliciava com fins de moral questionável. Em 2023, o enredo estende-se não só em duração, como também em profundidade. Desde logo porque a nossa perceção da protagonista, Lea (Lily McInerny), uma jovem de dezassete anos, é indissociável da sua família monoparental e da relação que estabelece com os seus pares. O que torna o encontro e subsequente envolvimento com Tom (Jonathan Tucker), sujeito de trinta e quatro anos, dissimulado e de grande porte, mais consequente e dissecável.
Esta relação começa e desenvolve-se, enfim, devido a carências de fundo. A mãe de Lea, disponibiliza-se mais na teoria do que na prática. Ocupa-se com vários homens, em tentativas frustradas de preencher as emoções. Quanto maior é a proximidade dos diversos pretendentes, menor é a sua capacidade de comunicar com a filha, que ferve em repulsa comedida. Já os seus amigos experimentam o mesmo verão entediante e passam o tempo entre drogas e mexericos. Atividades cada vez menos suportáveis, sobretudo em comparação com os charmes de Tom, que chegam a suplantar a interação que mantém com a sua bestie, Amber (Quinn Frankel).
A história de Nunca Chove na Califórnia deriva do espírito do cinema independente norte-americano. O mesmo ímpeto que levou Sean Baker a examinar os círculos viciosos da pobreza em The Florida Project (2017), embora este tenha sido concebido com uma voz mais distinta. Pois, por inquietante que seja o argumento (coassinado pela cineasta e por Audrey Findlay), a realização é meramente declarativa. Não fossem os ocasionais planos de fundo desfocado, poderia dizer-se que está despersonalizada. Há pouco de evocativo para lá da observação dos acontecimentos.
Por outro lado, a corrente dos eventos revela, com relativa força dramática, a natureza da corrupção da juventude – que se dá em alturas e lugares de fragilidade. Paragens pouco prósperas, onde não florescem conexões genuínas. Como poderiam, se não chove carinho nem atenção? Neste ecossistema de disfunções, reinam os prevaricadores e predadores. Aqueles que preenchem o vazio com falsos sentimentos de intimidade e se empenham a agilizar transições sociais perversas: isto é, vidas de subserviência e dependência extrema.
Esta ameaça é encenada com bastante rigor e alguma banalidade. A ação passa quase sempre pelo diálogo e, neste aspeto, Jamie Dack consegue manter um certo grau de tensão. Conjura uma sensação de terror iminente, o receio de assistirmos a golpes irremediáveis na inocência de Lea, que acabará por se tornar no reflexo da sua mãe. Coisa apropriadamente revoltante, num filme que expõe as debilidades da adolescência, numa conjuntura vulnerável à manipulação emocional.
O filme está disponível a partir do dia 22 de Junho na FILMIN.
Classificação: 3 em 5 estrelas. Texto escrito por Bernardo Freire.