“A work of art does not answer questions, it provokes them; and its essential meaning is in the tension between the contradictory answer” – Leonard Bernstein
É com esta frase do compositor, maestro, pianista, ou, como a certa altura se autodefine no filme, músico (“above all I am a musician”) Leonard Bernstein que Bradley Cooper decide abrir a segunda longa-metragem da sua, ainda curta, carreira como realizador. Está então dado o mote para o que se seguirá nas próximas 2 horas de cinema.
Não é um mero ato de pretensiosismo colocar esta frase no início de uma biopic sobre um dos maiores mestres americanos de música clássica de todos os tempos. O realizador está efetivamente a tentar chamar a atenção dos espectadores mais atentos. O que vemos durante este filme nada mais é do que uma tentativa de nos mostrar exatamente que, como as obras de arte que produziu, também Leonard Bernstein era um homem complexo, com tensões naturais entre aquilo que queria ser e aquilo que era, entre o peso da sua fama e dificuldade de lidar com ela, entre o amor que tinha por aqueles que lhe eram mais distantes e a dificuldade de estar lá para os seus mais próximos. Ao optar por explorar esse lado mais psicológico, metafísico até, pouco comum nas biografias convencionais, Bradley Cooper arrisca fazer um filme que perderá rapidamente parte dos seus espectadores. E, mesmo assim, isso não é necessariamente mau, fosse a tentativa de Cooper efetivamente bem-sucedida. O problema é que muitas vezes não se percebe onde o filme quer chegar, onde se posiciona perante aquilo que está a mostrar ao público, indo pouco a fundo nas questões que toca superficialmente. Isso faz com que ao fim de quase 120 minutos de duração, Bradley Cooper não atinja em pleno a tentativa de fazer um filme artístico sobre um homem maior do que a sua própria humanidade, mas também não consiga dar a conhecer o valor pessoal e profissional desse homem considerado por tantos genial (note-se que não são dedicados mais do que alguns minutos ao processo criativo de Bernstein, aos feitos que alcançou ou à dimensão do seu legado. Temo que se não soubéssemos quem foi Leonard Bernstein antes de ver este filme, pouco ficaríamos a saber depois de o acabar).
Mais uma vez repito, estaria tudo bem com esta maneira de abordar o tema do filme se o objetivo fosse alcançado, mas o problema é que Bradley Cooper voou demasiado perto do sol e parece ter-se perdido algures no caminho da sua criação. Deixou na superficialidade os vários temas que procurou explorar, sejam eles a relação que Lenny teve com o seu processo criativo, a sua importância para a popularização mainstream da música clássica, ou a sua relação complexa com a própria sexualidade que parecia reprimir. No entanto, se o filme funciona menos bem como um todo, existem momentos de enormíssima qualidade que merecem ser destacados na sua individualidade. A discussão entre os personagens de Bradley Cooper e Carey Mulligan (que está fenomenal, mas já lá chegaremos) é um dos momentos altos de “acting” de 2023 e certamente será recordado na noite dos Óscares como o clipe de nomeação para Melhor Atriz e/ou Melhor Ator. Depois temos a grandiosa cena em que Bradley Cooper veste por completo o papel de Lenny e se transforma totalmente no maestro, em pleno controlo da sua arte. São quase 6 minutos de um plano sequência filmado numa igreja, com uma orquestra verdadeira e um coro profissional onde através da condução dos seus pupilos, Bernstein leva, não só os espectadores ali presentes, mas também a sua mulher Felicia a acreditarem que é verdadeiramente um génio, alguém a quem os atos mais obscenos podem ser desculpados quando vemos aquilo que consegue criar. Esta cena funciona como o momento de viragem na relação de ambos, bem como o clímax emocional do filme e faz acreditar que Bradley Cooper tem algo de especial, é um realizador capaz, com uma grande noção de espaço, conhecimento da sétima arte e bom na direção de atores. Quando o filme acaba e se iniciam os créditos finais vemos que dois dos maiores mestres vivos do cinema mundial, Martin Scorsese e Steven Spielberg, produziram este filme. Não será coincidência, certamente viram em Cooper, depois de “A Star is Born”, um realizador com qualidades elevadas, que talvez só precisem de ser mais bem direcionadas.
Depois também não ajuda Maestro que em 2022 tenha estreado nos cinemas TÁR. As comparações entre ambos os filmes são inevitáveis e fazem com que Maestro pareça uma obra pequena ao lado dos 158 minutos de Todd Field. Onde TÁR falhou, a parte mais emocional, menos técnica e mais dirigida ao espectador comum, Maestro tenta ir ganhar a sua mais-valia. Enquanto TÁR era um filme frio, quase de academia, Maestro tenta ser mais apetecível, mesmo que, como já referi no início do texto, possa perder o espectador comum. Enquanto Lydia Tár, mesmo que nunca tendo existido, pareça tornar-se uma figura mais bem conhecida que Leonard Bernstein, mais palpável, real e viva, mesmo que seja tão fria, perfecionista e distante. A conclusão que podemos tirar é dura, mas Bradley Cooper não é Todd Field, muito menos é Cate Blanchett.
De um ponto de vista de época de prémios, estou certo de que Maestro será nomeado para vários dos mais importantes Óscares da Academia. Carey Mulligan merece, no mínimo, a nomeação para Melhor Atriz principal, pois é a melhor parte do filme, num papel que funciona como motor da narrativa. Também a fotografia é excelente, jogando muito bem com o belíssimo preto e branco do passado, iniciado nos anos 40, mas perdendo alguma qualidade quando muda para as cores. Também Bradley Cooper merece o natural destaque enquanto Leonard Bernstein fazendo um excelente papel que, mesmo que mereça a nomeação, será injusto se passar daí (já vamos no final do ano e ninguém chegou perto de Cillian Murphy na corrida à estatueta dourada).
Por último, parece algo injusto, depois de apontar tantos defeitos, que aconselhe os leitores a não deixarem de ver o filme. Mas esta é uma obra que merece ser vista para que se possam tirar conclusões pois, tal como fui expressando ao longo deste texto, não é convencional nem unânime nas opiniões que irá despoletar. Estarei atento ao que Bradley Cooper fará a seguir pois é um realizador com talento, ideias e, acima de tudo, coragem de se aventurar em projetos que nem todos se arriscariam a desenvolver. Tendo já visto o filme duas vezes não posso deixar de associar o excerto “I am large. I contain multitudes” de Walt Whitman (“Song of myself, 51”) pois parece exatamente que é isso que este filme, e também o próprio Leonard Bernstein, são: obras e pessoas grandes, que contêm em si multitudes, contradições, momentos bons e outros menos bons.
Classificação: 3,5 em 5 estrelas. Texto escrito por Francisco Gomes.