O Bêbado - 3.5 estrelas - Crítica de Manuel Seatra

O Bêbado: Não é Bêbado Quem Está

3.5 estrelas Cinema Português Críticas

O Bêbado podia ter ficado na memória pelas luzes de telemóvel nos rostos das pessoas na sala que de vez em quando falavam alto, pelas quinze vezes que soltava um “shhhhh” a tentar fazer perceber que uma sala de cinema pode e deve ser um local sagrado, Setúbal tinha outros planos…

Quando o ritmo oscila assim, está-se perante um filme que pontua momentos sem os orquestrar em demasia. Harmonizar é conceito raro; dos píncaros da ansiedade às ondas da calmaria e, claro, das ondas da calmaria aos píncaros da ansiedade (um efeito etéreo, perceba-se a boutade!).

Rogério pode ser o verdadeiro anti-herói, tal é a sua dormência alcoólica… Cai-lhe uma aventura no colo e vira um dilema em corpo de gente – iluminado por momentos precários de lucidez ou ternura em fintas de corpo e deslizes ligeiros. Alimentado por vícios e desencontros, aos grunhidos nas tabelas da inocência e nos trocos ao fundo dos bolsos.

A mãe é figura de um escudo tal que mora na porta em frente e faz por cuidar dentro do espaço que se lhe permite, seja com beijos tímidos na testa ou à cata de uma ou outra nota. Teresa Madruga aplica um olhar transversal, da preocupação ao carisma, faz notar que esta mãe podia facilmente abraçar Setúbal (viva António Severino) com esse par de faróis de esperança.

A cidade faz um papelão, parece que chora cinza e assenta a Rogério como Rogério lhe assenta a ela –  pausa para história verídica:

Assisti à antestreia do filme no Cinema Charlot, em Setúbal (de onde é o cineasta André Marques) e, à saída do cinema, em modo quase-corrida para a estação de comboios, deparo-me com uma senhora sentada, curvada na berma de um passeio, a soluçar entre baforadas de cigarro. Ela precisava de fazer uma chamada e pediu-me para usar o meu telemóvel… ora, eu já vi o Baby Reeinder e o primeiro reflexo vem de um lugar de receio, ainda assim, vendo-lhe a aflição nos olhos e nas havaianas, emprestei-lhe o meu telemóvel. A Patrícia (chamava-se Patrícia) fez uma chamada em tom ríspido e desesperado que não ouvi com atenção e não me atreveria a reproduzir (Regulamento Geral de Proteção de Dados, conhecem?). Depois de desligar a chamada, perguntou-me onde era a Residencial Todi e estivemos a verificar no Google Maps como ela poderia seguir caminho para lá. Decorada a rota, uns quinze minutos a pé, deu-me um abraço e comoveu-me muito aquela mulher tão magra e infeliz. Só pude pensar na Oksana e na coragem daquele olhar a desejar-lhe toda a sorte e amparo sem querer ter um alvo nas costas ou envolver-me em demasia para lá do abraço a que a Patrícia me convidou. Aproximava-se a hora do comboio de regresso e seguimos caminho em direções opostas. Patrícia, se estiveres a ler este texto, espero que estejas bem e feliz!

É surreal a coreografia em paralelo que o Cinema e a Realidade vão dançando e o fôlego maior de que precisamos para achar um modus operandi que nos consiga fazer sorrir no final.

Classificação: 3.5 em 5 estrelas. Texto escrito por Manuel Seatra.

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