Crítica: A Zona de Interesse - 5 em 5 estrelas - Texto escrito por Jasmim Bettencourt

A Zona de Interesse – A História como Espelho da Atualidade

5 estrelas Críticas

Uma família alemã vive uma vida de burguesia confortável: uma casa como sempre sonharam, um jardim bem cuidado com uma piscina para os dias de calor no verão, dias de praia no rio ali perto. No entanto, algo acontece às margens desta vida idílica. Um ruído sempre presente que vem do outro lado do muro que delimita um dos lados da propriedade. Da janela da sala de jantar onde a família senta-se todas as refeições vê-se uma torre de vigia. Na base desta vida de sonho, às suas margens, mas sempre presente, está um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade. Com um olhar frio e distante, Jonathan Glazer observa esta família e os seus pequenos dramas ao mesmo tempo que assombra o espectador com a realidade do que aconteceu no outro lado do muro do campo de Auschwitz.

A Zona de Interesse, estruturalmente, é um drama familiar clássico. Observamos as interações dos personagens, as suas ambições e as suas complexidades. No entanto, isto é tudo observado com uma distância fria, como se fosse do ponto de vista de uma mosca na parede. Com uma falta total de grandes planos, uma visão empática sobre estes personagens é impossibilitada. Isto porque A Zona de Interesse não é um verdadeiro drama familiar, mas sim um filme de terror disfarçado.

Sempre acompanhando as imagens do drama que se desenrola no ecrã está um ruído de fundo constante que lentamente consome a imagem e o espectador. Este ruído é o genocídio em curso que decorre no campo de Auschwitz – um fantasma sempre presente no filme, tratado de forma fria pelos personagens como se fosse uma naturalidade. Este fantasma não assombra só através deste ruído de fundo, mas também através da presença visual dos muros e torres de vigia do campo, o fumo que surge das incineradoras do campo, e o fumo que em diversos momentos se observa a surgir por trás das árvores, proveniente dos comboios que traziam para Auschwitz milhares de judeus e outros cidadãos indesejáveis pelo regime nazi.

A conjugação do design sonoro e destes pormenores visuais constantes funcionam para a construção de uma experiência extremamente perturbadora, em que o espectador é confrontado com a realidade do genocídio nazi ao mesmo tempo que observa o desenvolvimento do drama burguês e egoísta da família do comandante do campo de Auschwitz, Rudolf Höss. Desta forma, Glazer transforma brilhantemente este filme em algo mais do que um simples retrato das atrocidades cometidas pelo estado nazi, algo que já vimos milhares de vezes no cinema.

A Zona de Interesse transforma-se no que é, na verdade, um espelho para a nossa sociedade contemporânea. Num mundo em que estamos a ver genocídios a ocorrer em frente aos nossos olhos com pouco ou nada a ser feito pelas maiores potências mundiais, nos dramas mesquinhos desta família podemos ver os nossos próprios dramas mesquinhos de primeiro mundo. Através da distância fria que Glazer constrói entre o espectador e estas personagens, o realizador consegue fazer com que o espectador olhe para si próprio e reflita sobre a situação mundial contemporânea. No fundo, também nas nossas vidas temos esse ruído de agonia e morte sempre presente e ignorado. E é por isso que A Zona de Interesse é um filme tão perturbador – por ser tão cruamente e cruelmente real.

A Zona de Interesse é um filme que é, por um lado, frio e distante, mas, por outro, extremamente envolvente. É difícil não se sentir afetado pela mestria com que imagem e som são conjugados por Jonathan Glazer, o que torna este filme num dos mais bem construídos dos últimos anos. Neste filme tanto somos convidados a refletir sobre a mentalidade burguesa que levou ao surgimento do Nacional Socialismo (e qualquer outra forma de fascismo), como somos convidados a refletir sobre a nossa própria atualidade e a forma como agimos nela. É, sem sombra de dúvida, dos filmes mais complexos, perturbadores, e necessários desta década.

Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.

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