O mito do assassino profissional é algo que está bastante presente na cultura popular americana, desde os grandes clássicos do noir dos anos 40 até a thrillers mais recentes, a representação do espírito capitalista americana levada ao seu extremo, um homem amoral que comete o crime capital por uma recompensa monetária. Um mito leva a que pessoas numa situação de desespero acreditem numa performance que se enquadre nesse mito amorfo. Gary Johnson é um homem absolutamente normal que leciona sobre psicologia e filosofia numa faculdade em Nova Orleães. No entanto, ele tem um biscate incomum: trabalha para a polícia local como um assassino profissional falso para conseguir sacar afirmações que comprometam os seus clientes. Baseado num artigo de Skip Hollandsworth, que relata a vida real de Gary Johnson, Richard Linklater e Glen Powell constroem um filme que mistura géneros para criar uma viagem que nos entretem ao mesmo tempo que nos faz refletir sobre os vários mitos que compõem o imaginário americano e a psicologia de um intérprete.
Baseando-se numa história verídica, Linklater e Powell, de uma forma inteligente, alteram esta história de uma forma bastante auto-consciente. A partir de algo que já poderia ter sido produto da imaginação de um argumentista de Hollywood, é feita uma “hollywoodização” que torna o espectador consciente deste processo ao existir um paralelo entre a própria natureza do filme e a construção dos diversos personagens que Jonhson incorpora para convencer cada um dos seus clientes.
Num primeiro plano, esta “hollywoodização” é construída ao colocar esta história na interseção de dois géneros cujas características são bastante vincadas e que são bastante diferentes entre si: o rom-com e o film noir. O aspeto film noir é bastante evidente nesta história, mas o aspeto rom-com é brilhantemente adicionado através da expansão de uma personagem brevemente referida no artigo de Hollandsworth (o Gary Johnson da vida real não teve propriamente esse elemento rom-com, tendo-se divorciado três vezes). Essa personagem, uma mulher chamada Madison, interpretada por Adria Arjona, que contacta Johnson para ele matar o seu marido abusivo, cria um conflito dentro deste filme que fazem com que estes dois géneros se complementem e a sua experiência seja muito mais envolvente.
Para além disso, Assassino Profissional joga com a própria construção de personagens. Para encontrar-se com cada um dos seus clientes, Johnson constrói um personagem que se adequa à ideia do mito de assassino profissional que essa pessoa possa ter. Desta forma é revelada a forma amorfa em que mitos existem e a psicologia da performance, que se altera consoante o seu público alvo.
Neste sentido, a interpretação de Glen Powell é perfeita. Neste filme, ele revela que é muito mais do que só uma cara bonita só para aparecer em filmes de ação ou comédias românticas inconsequentes, revelando-se como sendo um ator extremamente inteligente e com um charme que contagia através do grande ecrã. Na verdade, este filme brilha graças à sua interpretação carismaticamente auto-consciente. Sendo reconhecido como um ator de um certo tipo de filmes, Powell subverte as expectativas do espectador (afinal, quem acreditaria que o Glen Powell é só um gajo normal que vive sozinho com os seus gatos e passa despercebido) e joga de forma consciente com a “hollywoodização da hollywoodização” do filme.
Através de uma história real mas que parece uma história de Hollywood, Linklater e Powell constroem um filme com um humor inteligente que nunca se leva demasiado a sério, fazendo-nos desculpar algumas falhas no enredo (principalmente a forma como o filme soluciona o final). É um filme que sabe jogar com géneros e mitos de uma forma inteligente e estimulante. E é um filme em que Glen Powell sai como o grande vencedor, através de Gary Johnson (que também é homenageado com um final vencedor à Hollywood), sendo a grande revelação deste romance noir multi-facetado.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.