Não, o novo filme de Luca Guadagnino não é magnífico, uma obra-prima, ou uma nova maneira de fazer cinema. Pior, temo que seja uma maneira simplória de enganar o espectador a achar que está a ver algo mais do que 131 minutos de diálogos constrangedores, música desenquadrada e analogias que chegam a roçar o amadorismo. Não tenciono atacar o filme por aquilo que não é, tenho inclusivamente defendido os filmes de Guadagnino menos amados – fui um fã de “Bones and All” quando ninguém defendia o filme, gostei mais do remake do “Suspiria” que do original -, mas a verdade é que este “Challengers” foi uma das piores experiências que já tive no cinema.
A desilusão não vem da premissa do filme, que procura explorar um triângulo amoroso no mundo do ténis. Vem sim de ser feito por um realizador muito mais capaz do que isto, agora vendido ao cinema de pipocas e não de substância, do facto dos três atores principais serem altamente capazes e, também, das críticas que fui vendo ao longo das últimas semanas que me levaram a pensar que poderia estar altamente enganado. Acontece que ao deixar a sala de cinema tive de fazer justiça a uma obra que merece tanto reconhecimento cinematográfico como um vídeo de YouTube feito por amadores que disfarçam os próprios erros ao colocar música digna de um filme do Gaspar Noé num volume três vezes mais alto que o suportável, ou ao colar uma GoPro a uma bola de ténis e esperar que dali saia uma fabulosa descoberta fílmica.
Procurar explorar a narrativa do filme é circular infinitamente numa rotunda onde voltamos constantemente ao mesmo lugar. A história está cheia de flashbacks e saltos temporais que nada mais são do que uma maneira de procurar dar complexidade a uma narrativa que é altamente simplória. Seguimos três personagens que se movimentam no mundo do ténis. Art Donaldson (Mike Faist) é um dos melhores do mundo, o seu ex melhor amigo Patric Zweig (John O’Connor) um tenista caído no esquecimento e Tashi Donaldson (Zendaya) uma ex tenista que acabou a carreira antes de sequer poder tornar-se profissional, acabando por casar com Art e se tornar parte da sua equipa técnica. Tendo por base estas personagens vamos acompanhando a sua carreira e relações interpessoais até tudo isto culminar numa derradeira final do torneio challengers de New Rochelle. Aí Art e Patrick irão defrontar-se na final pelo título, a sua dignidade e, possivelmente, um futuro com Tashi. No entanto, o que temos guardado para o final são cerca de 20 minutos altamente constrangedores onde senti genuíno incómodo pelas decisões feitas pela realização. Referências como a bola no meio da raquete de Patrick ou o “C’mon” final de Tashi fazendo lembrar momentos anteriores do filme são plot twists tão óbvios que chegam a ser insultuosos para o espectador. Não percebo genuinamente se estas escolhas são feitas como uma ridicularização de si próprias e o filme está na verdade a tentar parodiar um tipo de cinema que se leva demasiado a sério. Se sim, até nisso falha redondamente.
Historicamente nunca foi fácil fazer filmes sobre desporto, muito menos sobre ténis – “Matchpoint” (Woody Allen, 2005) é um dos poucos sucessos que salta à memória – mas o problema é que Challengers tenta usar o ténis para fazer uma analogia falhada sobre a vida. Percebo que o filme tenta ser mais sobre as hierarquias de poder numa relação, sobre obsessão, ambição, traição ou sensualidade. Estes temas estão todos lá presentes, o problema é que nenhum é explorado devidamente e tudo o que o filme toca é deixado na superficialidade. Também a maneira como é filmado tem sido muito elogiada, juntamente com a banda sonora, sendo referido que juntas contribuem para alimentar a tensão que o filme procura espelhar. Eu não consegui encontrar em momento algum do filme justificação para a banda sonora de Trent Reznor e Atticus Ross. A música techno altamente acelerada parece-me completamente desenquadrada, utilizada para despertar adrenalina no espectador sem que seja integrada na história ou montagem do filme, acabando por me fazer questionar se estava a ver um filme sobre ténis ou um anúncio publicitário para uma marca de perfumes de luxo. Até nisso o filme abusa do que poderia ter a seu favor. E o que poderia ter a seu favor são os três grandes atores principais que salvam algum tipo de mérito que possa existir nesta confusão cinematográfica. Josh O’Connor faz um papelão, está mais do que assegurado o seu futuro na Hollywood do futuro. Mike Faist também está em grande plano e funciona melhor nos momentos dramáticos. Já Zendaya parece-me altamente desenquadrada daquilo que lhe é pedido para o filme, até porque duvido que os produtores e realizador soubessem exatamente o que pretendiam da sua estrela. Um nome como Zendaya traz pessoas ao cinema e esse feito é um mérito totalmente seu – o seu papel em “Euphoria” é uma das coisas mais impressionantes na televisão recente (nunca é demais lembrar a masterclass de atuação que é o episódio 5 da segunda temporada) – mas uma atriz tem de ser mais do que apenas um nome, ou, neste caso, um sex symbol. Sempre que temos Zendaya em cena parece que deixamos de estar perante uma longa-metragem para ver um anúncio que usa e abusa da sua sensualidade como meio de fazer mais uns milhões no “box office”. Relembro diálogos tenebrosos como “I Love You/Yeah, I know” para que não passe despercebido que é este o tipo de qualidade narrativa a que estamos sujeitos. Pergunto-me se fosse outra atriz que não Zendaya a proferir estes constrangimentos verbais se seriamos tão rápidos a dizer que isto é bom cinema.
Teria muito mais de negativo a dizer sobre uma obra cujo amadorismo apenas merece ser analisado para que se evite repeti-lo, mas a verdade é que nada vai mudar e “Challengers” vai continuar a ser visto e adorado por milhões. Já foi chamado de clássico instantâneo, a melhor obra de Luca Guadagnino ou o filme que vai ganhar os principais Óscares de 2025. Para mim isto representa a total estupidificação do cinema americano, fazendo parte de um conjunto de obras que procura cada vez mais a simplicidade para vender e os truques amadores de som e montagem para tentar salvar o cinema comercial numa geração onde a capacidade de concentração morre ao fim de 2 vídeos de Tik Tok. “Challengers” tenta ser cinema e nem entretenimento é. Espero mesmo que seja esquecido com o passar do tempo e não se torne uma nova moda fazer filmes assim. Infelizmente penso estar muito enganado.
Classificação: 1 em 5 estrelas. Texto escrito por Francisco Gomes.
Uma coisa é não gostar das criticas feitas ao filme, outra é ser demasiado crítico com o próprio filme e chamar de amadores às pessoas envolvidas na produção e ser demasiado pudico com a sensualidade da Zendaya, quando existem outros dois atores no filme que são tão ou mais sensualizados do que a própria Zendaya, quando o filme é precisamente sobre a relação entre os dois atores. Mas essa parte pelos vistos já não faz mal. Não adorei o filme, concordo que foram demasiado simpáticos em muitas críticas, e sim, também acredito que vai ser esquecido com o tempo, mas não é uma aberração total como o indica. Digo isto quando não é de todo o meu tipo de filme, sobre triângulos amorosos e desporto. Mas vindo de alguém que acredita que usaram uma GoPro agarrada às bolas de tênis, já se é esperado.