Todos os anos, desde há quase uma década, morrem na travessia do Sahara e do Mediterrâneo milhares de refugiados que tentam encontrar um futuro melhor no coração do império europeu, que suga a riqueza do sul global de uma forma cada vez mais impune e invisível, com o aval das elites desses países explorados. Cada ano que passa esta situação agrava-se não só pelo agravamento da situação neocolonial, mas também pelo fortalecimento do estado policial da fortaleza continental a que chamamos de União Europeia. Eu Capitão conta a história de Seydou, uma destas pessoas que procuram um futuro melhor na Europa.
Matteo Garrone captura a crueldade e desumanização que estas pessoas enfrentam de uma forma dura e certeira. É impossível não sentir o coração apertado em diversos momentos. A cinematografia belíssima acentua esta realidade e as interpretações, especialmente de Seydou Sarr, tornam este filme ainda mais intenso. No entanto, apesar desta crueza do filme, há algo neste que falha.
Em nenhum momento é explorado o motivo neocolonial porque estas pessoas que observamos a sofrerem tanta desumanização se submetem a tal. De uma certa forma, é construído um mito de um “Sonho Europeu” – o motivo por que Seydou decide ir para a Europa é querer ter uma carreira musical, as condições em que vive no Senegal e a falta de oportunidades de criar uma vida sendo apenas mencionadas de forma superficial.
Ao longo do filme, observamos crueldade de uma forma bastante intensa, mas esta nunca é explorada para além de uma vaga manipulação emocional. A violência apenas existe e não é questionada. A pergunta “porque é que isto acontece?” nunca é feita. O estabelecimento da Fortaleza Europeia nunca é posto em causa de qualquer forma, as pessoas africanas apenas são apresentadas como vivendo na miséria porque sim.
Tudo pelo que Seydou passa neste filme é sempre apresentado de forma superficial e de forma sempre a ilibar as autoridades europeias – os grandes opressores são sempre pessoas africanas que se aproveitam da situação das pessoas refugiadas e as exploram. Desta forma, não é inocente o fim deste filme ser o que é – é apenas uma forma superficial de olhar para a crise dos refugiados sem pôr em causa o papel das potências ocidentais nesta crise.
Eu Capitão é um filme belo e com uma boa intenção: retratar a desumanização que refugiados sofrem na sua jornada para a Europa. No entanto, é um filme cujo comentário social tem uma total falta de garra, sem qualquer análise autêntica das condições materiais que levam à crise dos refugiados, resvalando muitas vezes para um mero trauma porn. Com a diversidade de filmes sobre este tema, este não passa de um retrato medíocre sem realmente algo para comunicar ao espectador.
Classificação: 2 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.