No tema “Mora na Filosofia” (samba de 1955 por Monsueto Menezes e Arnaldo Passos, via novamente a ribalta em 1972, via Caetano Veloso) há um verso lindo que me foi ficando na nuca: “Para quê rimar amor e dor?”, no filme “O Quarto do Filho”, parece que Nanni Moretti foi escavando por esse paradoxo adentro.
É conhecida a genialidade de Moretti, o seu sentido de humor afiado, o gosto pelo meta-cinema, pelas metáforas em grau oscilante de subtileza e a vida política no olho do furacão. São já 30 filmes na bagagem de realizador e quis debruçar-me sobre este vencedor da Palma de Ouro em 2001, que tem por tema central a perda.
Quando se trabalha o trauma pode facilmente cair-se na armadilha do clichê, do overacting ou de um beco dramático pouco sumarento. Aqui, o equilíbrio conjuga-se na memória, nos laços, nos mundos em volta e na surpresa. A melhor sensação é notar-se que quando uma coreografia é tão perfeita ela parece espontânea… O sofrimento ganha camadas, as relações têm envergadura e o luto é naturalmente processual.
O cinema é uma arte do tempo e Moretti está a par do poder desse cristalizar, dos cambiantes emocionais e da provocação humana – rima-se amor e dor.
Filme disponível na FILMIN até dia 30 de Junho.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Manuel Seatra.