O filme “A Sala de Professores”, nomeado para Óscar de Melhor Filme Internacional, estreia esta semana (dia 22 de Fevereiro) nos cinemas em Portugal, depois de várias antestreias nacionais esgotadas.
O realizador İlker Çatak assina uma primeira obra empolgante acerca do microcosmo da escola como espelho da nossa sociedade e oferece uma perspectiva única sobre as relações entre alunos e professores, e sobre a vida dos professores e os desafios que enfrentam.
Para o produtor do filme Ingo Fliess: “A experiência escolar é omnipresente em todos nós. Todos nós já fomos alunos ou ainda somos professores e temos visões diferentes das escolas. A escola é um período formativo para todos. É onde descobrimos quem somos, como agimos, como resolvemos conflitos. Não será tentador ver um filme chamado “A Sala de Professores”, visto que a maioria de nós nunca foi a uma sala de professores e muitas vezes se perguntou o que se passa lá?”.
A distribuidora Alambique falou com o realizador sobre este filme:
Em que medida as suas experiências escolares moldaram o seu novo filme? Houve algum evento específico que possa ser considerado o ponto de partida para o projecto?
Havia dois rapazes na nossa turma que, durante os intervalos, iam às salas das turmas que estavam em Educação Física. E roubavam dos casacos e dos bolsos desses alunos. Isso aconteceu durante algum tempo. Todos sabíamos disso, mas não dizíamos nada, porque ninguém queria ser queixinhas. Lembro-me claramente de um dia estarmos na aula de Física e de três professores terem entrado e dito: “As raparigas podem sair, os rapazes ponham as carteiras em cima da mesa!”. A memória desse episódio surgiu quando eu e o Johannes Dunker [co-argumentista] estávamos juntos de férias. Na altura, eu contei como a empregada dos meus pais tinha sido apanhada a roubar. O Johannes também me contou da irmã dele, que é professora de Matemática. Houve um incidente na escola dela em que foram cometidos roubos na sala de professores. Esta conversa fez-nos pensar nos nossos dias de escola e achámos que poderia ser uma história empolgante.
Como investigou o funcionamento das escolas de hoje em dia?
Primeiro, fui à minha antiga escola secundária em Berlim e o director, que ainda se lembrava de mim, recebeu-me de braços abertos. Na verdade, eu queria filmar lá, mas não foi possível devido ao financiamento. O director ajudou-nos no desenvolvimento do guião, bem como a irmã do Johannes. No geral, tivemos conversas intensas com muitas pessoas de vários campos educacionais, com professores, directores, psicólogos educacionais e professores de Educação Física, que nos explicaram actividades para desenvolver o espírito de equipa, algumas das quais se vêem no filme.
Que mudou em comparação com os seus dias de escola?
Na altura, os professores viam as carteiras dos alunos, o que não aconteceria hoje. Confirmámos isso na nossa pesquisa. Porém, tal procedimento seria autorizado se se acrescentasse que a acção era voluntária. Daí a frase “é voluntário, mas se não têm nada a esconder, não têm nada a temer” ser frequentemente mencionada no nosso filme. Claro que isto é absolutamente pérfido, uma vez que tal processo não acontece ao mesmo nível entre professores e alunos. O que mudou em comparação com os meus dias de escola foi, acima de tudo, o tipo de comunicação. Hoje, há grupos de WhatsApp, os pais trocam informações entre si. As linhas de comunicação são muito mais curtas. Quando surge um problema, ele é abordado com maior rapidez. Também tenho a sensação de que os pais actualmente têm outra autoconfiança, sobretudo os que põem os filhos em escolas “melhores”.
Qual foi o seu foco particular no desenvolvimento da história? Que foi importante para si, quais foram as suas preocupações?
Fala de um sistema, de um reflexo da nossa sociedade. A escola é um bom campo de acção, pois mostra a nossa sociedade como um microcosmo, como um modelo: há o chefe de estado, ministros, um órgão de imprensa, as pessoas… Mas “A Sala de Professores” aborda vários tópicos diferentes. Um aspecto central para mim é descobrir a verdade, a procura pela verdade, ou como acabamos por acreditar na verdade. Em que acreditar também é uma questão que surge. O rapaz quer acreditar na sua mãe, ela quer acreditar na justiça. Notícias falsas, a cultura de cancelamento ou, por exemplo, a necessidade de todas as sociedades de terem um bode expiatório são também temas abordados.
Leonie Benesch representa a personagem principal. Porque a decidiram escolher?
Lembro-me de que tínhamos uma parede com fotografias de actores na nossa casa na floresta. A fotografia da Leonie Benesch esteve lá desde o princípio. Muito antes de lhe perguntarmos. Sempre imaginei o filme com a Leonie, porque há anos que apreciava o trabalho dela. Apesar de termos feito outra selecção, ficou claro para mim muito rapidamente: ela é a minha Carla Nowak.
Quem é Carla Nowak?
A Carla Nowak é exactamente o que o público vê no filme, como a interpretam. Decidimos deliberadamente não mostrar qualquer tipo de vida privada. Também não mostramos que carro ela conduz, onde vive ou se tem namorado. Nada disso é relevante. Houve conversas prévias por haver pessoas que queriam saber mais acerca dela. Mas eu nunca cedi na minha convicção. Não é nada importante se a Carla Nowak tem um animal de estimação ou paredes coloridas no apartamento dela. O carácter de uma pessoa revela-se sempre em momentos de decisão difíceis. Quando está sob stress, quando tem de lidar com problemas. Com esta premissa em mente, pus a personagem nas mãos da Leonie. Raramente tive de comunicar tão pouco com uma actriz como aconteceu com a Leonie. As representações dela eram sempre tão boas que mal tive de fazer correcções.
O cinema em 2023 será o espaço ideal para debates sociais?
Claro que o cinema é um espaço que podemos usar para debates sociais. Mas não compulsivamente. Para mim, o cinema também é escapismo e voyeurismo. O cinema é uma fogueira num acampamento. Não quero dar nenhum objectivo ao cinema. Mas claro que fico contente quando há filmes no cinema que lançam debates. Acima de tudo, há novamente esperança para o cinema depois da pandemia do coronavírus. Fui ver o “Triângulo da Tristeza” e o cinema estava cheio. A experiência partilhada de rir e de chorar em conjunto é muito especial. Nenhuma plataforma de streaming no mundo será capaz de produzir isso.