Hotel Amor, o novo filme de Hermano Moreira, é uma produção luso-brasileira e está em cartaz a partir do dia 19 de junho. O Bernardo Freire entrevistou a atriz Júlia Palha a propósito do filme no âmbito do Podcast Freire & Marques no Cinema. Não percas a entrevista no registo escrito, no Cinema em Portugal ou opta por ouvir a conversa no Podcast no episódio extra.
Entrevista a Júlia Palha
Bernardo Freire: Júlia Palha, muito bem-vinda ao programa! Como é que estás?
Júlia Palha: Muito obrigada, olha, estou muito bem, um bocadinho doente, que isto agora com o calor e os ar-condicionados a pessoa está sempre meio constipada, mas fora isso estou fantástica (risos).
Bernardo Freire: Ainda hoje passei um bocadinho pelo mesmo no escritório, tive que pedir várias vezes para desligarem o ar-condicionado, a malta está toda com muito calor. E aqui em Aveiro, particularmente também, está um bafo. Estás em Lisboa, não estás?
Júlia Palha: Sim, sim, Lisboa está igual.
Bernardo Freire: Pronto, são aqueles 40 graus à sombra (risos). Bem, o tema da nossa conversa é o teu check-in no Hotel Amor, um filme realizado por Hermano Moreira. Interpretas uma recepcionista, chamada Júlia, apropriadamente, que não podia estar menos interessada na hospitalidade do hotel. Ela está entediada com o seu trabalho, joga solitário na esperança de que o tempo passe de pressa, e de preferência que entrem poucos hóspedes, não é?
Júlia Palha: É, esta minha Júlia é uma caricatura da grande maioria das pessoas que trabalham no atendimento ao público, e é obviamente um exagero. Mas, então quem trabalha em recepções, acho que ela é uma caricatura muito divertida do aborrecimento que as pessoas às vezes passam quando estão nesse tipo de trabalhos. Pronto, juntar isto a uma jovem um bocadinho mal educada e que acha que é demasiado boa para estar a trabalhar na recepção daquele hotel medíocre, onde nada funciona e no que depender dela também não vai funcionar (risos).
Bernardo Freire: Exactamente. E ao contrário de algumas produções, onde nem sempre têm muito tempo para conhecer os cantos à casa, interagir, ensaiar, neste Hotel Amor foi diferente, deram-vos tempo para preparar. Agora, eu sei que tens um certo gozo em trabalhar estas personagens que são desagradáveis (risos). E a minha pergunta é, qual é que foi a tua primeira reação quando leste o guião? Percebeste logo que esta personagem era para ti?
Júlia Palha: É assim, acho que é a primeira personagem desagradável que eu trabalhei. Acho que nunca tinha feito assim uma personagem que não fosse mais querida ou mais simpática. Depois, não sei muito bem o que é que o Hermano quis dizer com isto quando a personagem tem exactamente o mesmo nome que eu. Não sei se é alguma boca (risos). Mas olha, foi muito divertido. O Hermano disse que pensou nesta personagem para mim de propósito para eu me divertir e porque sabia que eu ia fazê-la com muito humor. Porque a verdade é: ela é uma personagem que não tem propriamente um guião cómico ou situações cómicas, tudo é cómico porque é o carácter dela. O facto dela realmente não querer saber do que está ali a acontecer e não querer ajudar, e não facilitar nada, é que torna as situações ainda mais engraçadas. Portanto, quando li o guião, percebi logo que ia ser um projecto muito divertido.

Bernardo Freire: Acabas, aliás, por funcionar como um elemento de um todo, e é esse todo que depois, cada um com os seus arquétipos, a funcionar como as suas caricaturas, como bem referiste, é que depois compõe o filme. Durante o tempo que tiveste para preparar o papel, criaste alguma rotina para a personagem? Por exemplo, a Júlia acorda às 6h30 da manhã, come uma torrada com um capuccino, vai trabalhar, etc.?
Júlia Palha: Olha, por acaso, na preparação não, mas dei por mim a já ter as minhas rotinazinhas durante as gravações. Primeiro porque, como era filmado em plano de sequência, nós tínhamos que ensaiar muitas vezes antes de efectivamente filmarmos para correr tudo bem, quer a nível de guião, quer a nível de câmara, de som, figuração, tudo tinha que bater certo. E eu dava por mim na cena em que ia dizer as falas eu já tinha que ter o meu bloco de notas da personagem num certo sítio, o café da personagem num outro certo sítio. Nesta cena, eu ia estar a jogar solitário, nas outras não. Dei por mim a criar rituaiszinhos em que senti, como ainda por cima tivemos lá praticamente todos os dias, durante três semanas, em que senti de repente que trabalhava ali. Ou seja, se eu trabalhasse ali, era naquela hora que eu bebia o café, era ali que eu pousava o meu telefone, era ali que eu guardava a minha lima das unhas, eram naqueles momentos mais aborrecidos que eu jogava solitário. Portanto, digamos que eu criei essa rotina, mas foi mais durante o processo.
Bernardo Freire: Criaste, de facto, a personagem durante o processo… e nas folgas, gostavas de sair com as amigas, ir a festas em rooftops?
Júlia Palha: (risos) Ah, o que é que a Júlia faria nas folgas? Olha, não parei para pensar. Eu acho que a Júlia estava numa fase um bocadinho down da sua vida. Acho que ela estava com muito trabalho. Na minha cabeça aquilo era um segundo trabalho que ela tinha enquanto estudava, portanto acho que ela não tinha propriamente tempo para festas e para se divertir, e por isso é que também estava sempre tão mal humorada.
Bernardo Freire: Ora bem. Já tu, Júlia Palha, trabalhaste com o realizador Hermano Moreira também em Amo-te Imenso, e agora no Hotel Amor. Houve alguma diferença na abordagem dele para com os actores entre estes dois projectos? Quer dizer, imagino que o facto de um ter sido rodado em plano sequência, tenha influenciado logo muito o processo. No entanto, como é que ele foi com os actores? Foi muito diferente?
Júlia Palha: Foi diferente, até porque o Amo-te Imenso só saiu o ano passado, mas nós já o tínhamos filmado há quatro anos, acho eu, e portanto… Muitos projetos atrasaram por causa da pandemia, mas pronto, quatro anos depois, todos nós somos pessoas com mais bagagem, com mais experiência e bastante diferentes. Mas o Hermano é um grande amigo meu, fora do trabalho, e se há coisa que eu gosto nele, é a energia dele, ele é uma pessoa super proactiva, super despachada, é assim super acelerado. E se eu vi esse Hermano com um ritmo muito mais rápido no filme Amo-te Imenso, no Hotel Amor, que era um registo que tinha tudo para ser igualmente acelerado, eu vi um Hermano super ponderado, super calmo, super paciente. As coisas mais surreais, depois de termos treinado tudo e não haver nada para correr mal, aconteciam coisas que estavam completamente fora do nosso alcance, e ele com o maior sorriso na cara sempre ‘não faz mal, vamos de novo, está tudo bem, está tudo certo’, e é muito importante, de facto, esta postura do realizador para o decorrer de todo o projecto, não é? Porque o realizador é um bocadinho o comandante desta equipa, deste barco, e ele comandou este projecto que era muito, muito exigente, de todos os dias ser tudo filmado em plano de sequência é de uma exigência e de uma responsabilidade enorme, e ele comandou muito bem este barco, portanto, não lhe querendo dar graxa, que eu estou sempre a embirrar com ele na brincadeira, podemos dizer que ele fez um excelente trabalho.

Bernardo Freire: Sim, eu corroboro essa afirmação, aliás, espero ver-te com ele num terceiro projecto, no entanto no ano passado, pudemos ver-te também no grande ecrã, não só em filmes como o Amo-te Imenso, como também o Podia Ter Esperado por Agosto. Este ano estás no Hotel Amor em Portugal e também em Espanha com Vírgenes de Álvaro Díaz Lorenzo. Sentes que esta é a tua rampa de lançamento para te vermos no grande ecrã todos os anos?
Júlia Palha: Olha, tomara, tomara que seja e vamos mandar isso para o universo. Se calhar todos os anos pode não ser uma realidade, até porque a pessoa tem que aprender a parar e tem que aprender a fazer uma gestão coerente da imagem e da carreira, mas tem sido uma época de imensas oportunidades, de muito trabalho, de muitos projectos. Eu já trabalho enquanto actriz desde os meus 15 anos e acho que é só agora, 10 anos depois, que eu sinto que estou a colher os frutos de muito trabalho, ou seja, todo este sucesso, toda esta chuva de oportunidades vem de muita dedicação e muito profissionalismo e muita entrega a cada projecto que eu faço e, portanto, acho que a fórmula está aí mesmo. Se está tudo a correr bem, por eu ter agido assim, é continuar a agir da mesma forma e esperar ter sempre trabalho, que neste nosso meio é um privilégio que eu tenho e nem sempre é fácil.
Bernardo Freire: É verdade, e fizeste-me lembrar o clássico que diz que o sucesso de uma noite para a outra demora muito tempo, não é, demora 10 anos, no teu caso, porventura. E lá está, aplica-se em pleno, estás a colher os frutos de muito trabalho e espero que continues a ter oportunidades, certamente que vais ter. Por exemplo, em Espanha, trabalhar numa produção espanhola era um objectivo, não é?
Júlia Palha: Sim, sim.
Bernardo Freire: Mais concretamente aqui na Andaluzia. Uma comédia de época, Vírgenes, que ainda não tem data de estreia em Portugal, no entanto, irá ser lançado daqui a pouco tempo. Filmar em Espanha correspondeu às tuas expectativas?
Júlia Palha: Correspondeu, sim, era uma produção… acho que colegas actores que tenham trabalhado fora sentem sempre isto também, de repente parece que as coisas… É aqui ao lado, em Espanha, mas é logo outra dimensão. As equipas são logo maiores, os orçamentos são maiores também, não é? Portanto, mais dinheiro que gera mais oportunidades, portanto, as carrinhas onde nos maquilhamos são maiores, tudo é mais e maior, que não significa melhor, mas é de facto outra dimensão, de repente. E apesar de ser uma personagem pequenina, é uma personagem com um grande impacto e que é muito divertida na história. E pronto, espero que seja, ou seja, eu sempre disse isto, eu adoro trabalhar em Portugal e eu vou sempre querer trabalhar no meu país. Mas obviamente se puderem surgir projectos noutros países, porque o objectivo de qualquer artista é fazer a sua arte chegar ao maior número de pessoas. E se tiver a sorte de poder ser a maior parte deles perto do meu país, onde eu vou ter a minha família e onde eu tenho as minhas relações, melhor. E portanto, falando eu bem Espanhol, obviamente o mercado espanhol é uma das minhas grandes apostas, e eles fazem coisas incríveis. Desde que me conheço que vejo, para além das telenovelas brasileiras, que era outro mercado onde eu deveria trabalhar, desde que me conheço que oiço músicas espanholas, vejo séries espanholas, portanto, eu acho que eles são muito bons, têm uma cultura muito latina, muito intensa e, portanto, é um mercado no qual eu me veria a trabalhar e gostava que assim fosse.
Bernardo Freire: Sim, e Espanha tem efectivamente uma indústria cinematográfica, enquanto Portugal é um país onde, quer dizer, as produtoras fazem um grande esforço para que muitas vezes dê certo.
Júlia Palha: É, fazemos omeletes sem ovos, como estamos sempre a dizer.
Bernardo Freire: Exactamente, e quer dizer, há um grande esforço por parte de todos os envolvidos e conseguimos pequenos milagres, efectivamente, volta e meia acontece e há que os celebrar, porque de facto acontecem com muita resiliência. Eu espero que este próximo filme que vou referenciar seja um desses milagres. Porque, estavas a dizer que provavelmente não te vamos ver no grande ecrã todos os anos, porque também é preciso repousar. No entanto, 2026 não será certamente um ano de pausa, porque vamos voltar a ver-te a contracenar com o Francisco Froes, e também com o Nuno Lopes, no novo drama de Mário Barroso chamado Lavagante. O que é que nos podes adiantar sobre o filme?
Júlia Palha: Primeiro, posso adiantar que não sei se não é este ano já, e não em 2026. Mas ainda não está nada fechado, de facto ainda não está decidido e há poucas certezas, mas pronto, pode ser este ano e só reforça que de facto está a ser um ano de colher frutos e muito positivo para mim. Olha, é um filme que se passa nos anos 60, portanto, ainda na altura de ditadura em Portugal, e que nos retrata um bocadinho o lado mais cinzento dessa altura, mas fugindo um bocadinho ao que já foi feito cá, porque basicamente a história é um romance proibido, quase, e eu pelo menos acho, ou não tenho ideia de já ter visto, um filme sobre esta época que fosse em torno de um romance, ou seja, a história principal é o amor que as pessoas viveram. A ditadura é a consequência, é o momento que elas estavam a viver e não é propriamente a contar histórias sobre isso. Claro que há um elemento da PIDE que vai interferir com este romance, mas acho que é um bocadinho diferente, é um filme que vai ser todo a preto e branco, que eu também acho que isso é uma estética muito, muito bonita, é muito apelativo. E o Mário Barroso, para além de realizador, foi, e é, durante muitos anos director de fotografia, portanto, eu acho que… para mim ele tem a melhor visão e tem uma estética que acho que aqui em Portugal ninguém consegue combater. São muitos anos a fazer direcção de fotografia, e portanto eu até costumo dizer que este filme não só pela beleza e por passar uma mensagem, vai ser quase um poema. É muito poético o filme, tem tanto de bonito como de triste, tudo muito bem misturado. Mas a verdade é que eu ainda não vi o filme completo. Isto é o que eu tenho ideia do que fomos gravando e do guião e de tudo. Por isso, são registos completamente diferentes. É um filme que eu espero que as pessoas vão ver e que se apaixonem e que vibrem com ele. O nosso Hotel Amor é um filme muito fácil de ver, muito leve, muito divertido para ir ver com os amigos depois da praia, para ir ver com a família ao domingo. É um registo também muito diferente por ser sempre em plano de sequência, eu acho que prende o espectador ao ecrã o tempo todo, porque é sempre imprevisível ‘Calma, como é que eles agora vão? Eles vão mesmo entrar no elevador? Mas isso não vai parar de gravar? Como é que isto tudo vai acontecer?’. Vai captar muito a atenção do espectador nesse sentido… E pronto já me perdi, mas acho que são os dois muito giros em registos muito diferentes (risos).

Bernardo Freire: Exactamente. Portanto, talvez o Lavagante um bocadinho a puxar mais para o drama de época. Aquele romance que tem um contexto infeliz, um romance sofrido. Já Hotel Amor é um filme de entretenimento muito diferente daquilo a que estamos acostumados a ver em Portugal, que não está propriamente ligado a um certo regionalismo que temos, nada disso, nem é aquela comédia rural, atrevo-me a dizer mais banal, há aqui um cuidado que me agradou. Para fechar a conversa, apesar de já teres mais de duas dezenas de créditos, há ainda muitos papéis que ambicionas, certamente. Se te derem a escolher entre interpretar um anjo ou um demónio, qual é que escolhias e porquê?
Júlia Palha: Tem de ser o demónio, porque já interpretei muitos anjos (risos).
Bernardo Freire: Também pensei que fosses por aí, porque de facto estás numa altura em que te estás a desafiar. Achas que o cinema é o palco ideal para isso?
Júlia Palha: É assim, se for para fazer um verdadeiro demónio tem de ser em cinema. Eu não posso fazer uma novela em que sou um demónio todos os dias durante 9 meses, eu acho que fico maluca (risos). Agora, se for uma personagem vilã, que não tem valores… Eu acho também que a grande função de um actor é defender o seu papel, é defender o seu personagem. E a verdade é que as muitas pessoas más que existem no mundo, que existem, têm também os seus lados bons e têm quase uma justificativa para a sua maldade. E as histórias tentam sempre contar o background e o que é que o vilão sofreu e porque é que ele se tornou assim, e portanto eu teria muito gosto em dar vida a uma vilã. Acho que já nos aconteceu a todos nós estarmos a ver uma série onde estamos a torcer pelo vilão. E sabemos que fizemos um bom papel quando temos o público a torcer por uma personagem que é menos boa. E eu adorava passar por esse desafio, que me entregassem uma vilã e que eu dissesse ‘Eu vou fazer isto, ela vai ser má, mas as pessoas vão gostar dela!’, porque as pessoas vão perceber o porquê de ela ser má, ainda que não haja justificação, as pessoas vão ficar do lado dela, e eu gostava muito de ter esse desafio.
Bernardo Freire: É o chamado anti-herói, neste caso uma anti-heroína. Já no Hotel Amor, o que vamos ver de ti é um bocadinho o registo ‘zangado’ e ‘refilão’, que também não costumamos ver nos teus papéis anteriores. Portanto, Júlia obrigado pelo teu tempo, parabéns pelo Hotel Amor, estou certo de que vai ser uma estreia bem sucedida e que o público vai conseguir abraçar o filme. Boa sorte para ti e para o filme, e olha encontramo-nos no cinema e as melhoras já agora.
Júlia Palha: Muito obrigada Bernardo, e deixo aqui um apelo às pessoas para irem ao cinema, para apoiarem o cinema português, venham ver o Hotel Amor que eu prometo que se vão divertir muito.