Imagem/still do filme "Chuva de Verão"

Chuva de Verão: a força do ‘não dito’

Cinema Português Entrevistas

O Cinema em Portugal esteve à conversa com alguns dos actores do filme português “Chuva de Verão” na antestreia do filme no Cinema São Jorge, Lisboa. Numa primeira conversa falámos com Paula de Magalhães, India Branquinho e Duarte Melo em relação à narrativa que se foca em relacionamentos de jovens adultos ao longo de uma semana num Verão e o que este tema tem de atractivo e envolvente, assim como o que representam cada uma das personagens que interpretam nesta trama.

O filme é a primeira longa-metragem realizada por António Mantas Moura e estreia nos cinemas em Portugal no dia 26 de Setembro.

Imagem/still do filme "Chuva de Verão"

Paula de Magalhães: Acho que a minha personagem representa um bocadinho a revolta, a angústia, um pouco tambémfrustração que às vezes existe nas amizades. coisas que às vezes não são ditas, não são esclarecidas, e depois fica uma certa mágoa e uma pessoa que nos é tudo e que faz parte do nosso dia-a-dia, de um dia para o outro passa a ser ninguém. Isso acontece tanto nos relacionamentos amorosos como também nos relacionamentos de amizade, sendo que às vezes na amizade ainda é mais… Pode ser ainda mais bruta essa separação e essa quebra mais dolorosa. O filme é muito sobre coisas que não foram ditas e precisam de ser faladas, sobre mágoas, tristezas. Também tem aspectos positivos, como a saudade, o perdão, mas a minha personagem é mais o marco da representação das coisas negativas em que este grupo está envolvido, e estes sentimentos negativos.

Eu, Paula, sou uma pessoa quente e fria. Eu não consigo ser morna. Então quando, em tudo na vida, quando eu estou, eu estou e sou mesmo muito amiga e dou tudo, considero-me mesmo boa amiga, tenho essa consciência. Mas, quando me desiludem (e eu não desisto das pessoas), mas quando elas me desiludem e eu percebo que falharam comigo numa coisa imperdoável, na minha perspectiva, eu corto, não me afasto. A pessoa morre para mim. Eu fico fria ao ponto de nem sequer ficar triste por essa pessoa ter desaparecido. A pessoa que eu esperava que tu fosses neste momento importante da minha vida, não o é. Então a Ema foi um bocadinho isto. Ela é esta frieza no grupo, tanto que ela só aparece na primeira metade do filme. Ela depois vai-se embora assim, do tipo bateu a porta e acabou. Passa do 8 para o 80.

Imagem/still do filme "Chuva de Verão"

India Branquinho: Eu interpreto a Pipa que está numa relação muito tempo, e que é muito tóxica, mas que guarda muito daquele amor que tiveram no passado. Então ela agarra-se muito ao passado, e durante o filme vê-se que ela está constantemente à procura de salvação, ou quer mostrar aos amigos e amigas que está desconfortável, que alguma coisa se passa, mas não tem coragem para dizer, portanto palavras não ditas, e deixa sempre um pouco nas entrelinhas esta necessidade de ultrapassar esta relação, que não lhe faz bem. Ao mesmo tempo, está sempre alegre, e vive nestabipolaridade’ digamos assim. Ela tem de demonstrar que é forte e que não tem nada que lhe afecte, mas claramente está a lutar com uma mágoa interior.

Ela é uma pessoa que aparenta ser forte e está sempre a querer trazer o grupo para a melhor parte de uma circunstância qualquer. Portanto, nós temos momentos tensos no filme e a Pipa tenta sempre levar e dar alegria à situação, mas que no fundo também sente que isso é falso. Há ali qualquer coisa que não está bem, que não é transparente, e acho que a comparar com a Ema, por exemplo, se calhar é uma pessoa um bocadinho mais fraca, até que explode. um momento em que realmente ela explode, e aí sim, é como que acumula, acumula, acumula e depois explode.

Imagem/still do filme "Chuva de Verão"

Duarte Melo: A trama central da minha personagem (Salvador) prende-se com um triângulo amoroso, e quando eu digo triângulo amoroso refiro-me ao Salvador estar apaixonado por um amigo de infância, sendo o Salvador um rapaz homossexual, e o Miguel, que é o amigo por quem ele está apaixonado, um rapaz heterossexual. Portanto, logo  esse amor incompreendido, e esse amor que não tem pernas para andar, logo depreende-se aquilo que não é dito, as entrelinhas, porque a relação do Miguel e do Salvador ficou sempre um bocadinho debaixo da terra, ou seja, no sigilo, no escondido, naquilo que não é mostrado. E neste caso, por abordar também esta questão da dificuldade que é para um jovem adulto de se assumir, porque acho que isso envolve uma série de questões, e o Salvador tem a coragem de se assumir homossexual e tem a coragem de assumir perante o grupo que está apaixonado pelo Miguel, e o Miguel não tem essa mesma coragem.

E isso faz com que ele se aproxime da melhor amiga do Salvador, que é a Anita, e então cria-se ali um bocadinho um triângulo, sendo que o Miguel e o Salvador têm ali uma intriga os dois, e depois vem a Anita estragar tudo.

Imagem/still do filme "Chuva de Verão"

Paula de Magalhães: Uma característica deste filme que não se em muitos filmes, é que ele explora a individualidade de cada personagem. É mesmo característico deste filme, ou seja, todos nós, daí sermos todos protagonistas, temos bastante protagonismo dentro desta história e cada protagonismo é diferente. A minha personagem, Ema, não tem nada a ver com questões sexuais, não vai por . Vai mesmo por questões emocionais, vai mesmo por uma frustração, por uma mágoa, por uma raiva, por uma libertação, por uma cobrança até em relação ao grupo, e é mais por que ela vai.

India Branquinho: Eu acho que o filme tem esta coisa muito especial que é, somos muitos e consegues tirar a personalidade e o carácter de cada uma dessas personagens muito bem.mesmo o não dito torna-se uma personagem única. É muito bonito ver um filme onde nem tudo tem um ponto final, nem tudo está dito, nem tudo está explicado até ao fim. O filme deixa-te ver que ali coisas que não estão resolvidas. Nenhuma das personagens está resolvida, e estão ali a criar mais confusão e são todos amigos, mas ao mesmo tempo, o que é uma amizade de tanto tempo que não é alimentada? Vê-se logo desde o início do filme que existe uma necessidade de se alimentarem as relações, sejam amorosas ou de amizade.

Duarte Melo: O filme prende-se um bocadinho nesta mudança entre a idade jovem e a idade adulta, ou seja, não com a preocupação de vamos ser adultos’, mas prende-se exatamente nesta mudança de paradigma, que é, não deixas de ser jovem e de repente tens de te preocupar com coisas que são da idade adulta. E pegando um bocadinho nesta questão das entrelinhas, eu acho que o interessante dentro da composição destas personagens é exatamente aquilo que não é dito. Para mimo filme fala mais sobre o que não é dito, ou seja, através da composição das personagens e da trama, nós conseguimos analisar aquilo que vai por trás da epiderme, portanto aquilo que nós temos aqui guardado e não aquilo que nós dizemos ou fazemos. E essa dualidade entre aquilo que dizemos e aquilo que sentimos é uma coisa que se vê no filme, e é uma coisa interessante para mim.

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