O filme “Mataram o Pianista” estreia já no próximo dia 21 de Março em Portugal, e o realizador Fernando Trueba falou um pouco sobre a origem desta história e o que motivou este filme de animação.
Sinopse: Um jornalista de Nova Iorque (voz de Jeff Goldblum) inicia uma investigação para descobrir a verdade por trás do trágico e misteriosos desaparecimento do jovem virtuoso piano brasileiro Tenório Jr., originando uma jornada narrativa que, ao mesmo tempo, irá comemorar a época da Bossa Nova brasileira e a liberdade criativa que caracterizou a raiz deste movimento, tendo em pano de fundo a contrastante brutalidade dos regimes ditatoriais que, nos anos 60 e 70, emergem na América Latina.
Fernando Trueba: Eu gosto de jazz. Gosto de música brasileira. Há cerca de quatro anos, enquanto ouvia um disco da década de 1960, a melodia do piano chamou-me a atenção. Olhei para a capa do álbum e encontrei um nome que não significava nada para mim: Tenório Jr. Tentei saber mais sobre ele, se ele tinha algum álbum em seu nome. Sim, em 1966, aos vinte e cinco anos, gravou um disco chamado “Embalo”, que já estava esgotado há muito tempo. Quase 40 anos se passaram. O que ele fez desde então? O que aconteceu com ele? Através da internet descobri que ele já tinha colaborado em vários discos com artistas diversos: Milton Nascimento, Gal Costa, Egberto Gismonti, entre outros, mas os últimos eram de 1975. Há 30 anos atrás…
Foi quando me deparei com a sua história. Tenório faleceu em março de 76, aos 35 anos. Na verdade, não se pode dizer que ele morreu. Ele simplesmente desapareceu. Esteve em Buenos Aires a acompanhar Vinicius de Moraes e Toquinho. Na noite a seguir ao último espétaculo, saiu para a rua e ninguém mais o viu. Eu não pude acreditar. Um pianista brasileiro que desaparece na Argentina? Porquê? Tentei descobrir mais. Tenório saiu para comprar uma sandes – uns dizem cigarro, outros medicamentos, outros…
Eram 2 da manhã do dia 18 de Março. Seis dias antes do golpe militar. Mas o golpe do dia 24 foi apenas o culminar oficial de algo que já estava nas ruas há algum tempo. O regime de Isabelita Perón dava os últimos suspiros e, nas ruas de Buenos Aires, grupos militares, paramilitares e guerrilheiros peronistas de extrema esquerda travavam uma guerra silenciosa e não declarada. Tiros, bombas, assassinatos, os primeiros “desaparecimentos”… Mas o que tudo isso tem a ver com um pianista? Com um pianista brasileiro?
O desaparecimento de Tenório deixou os músicos brasileiros perplexos. Todos acharam que devia ser um erro. Tenório é uma pessoa sem ativismo político conhecido. Todos acreditavam que seria uma questão de dias até que Tenório reaparecesse. Era isso que todos no Rio de Janeiro esperavam. Principalmente uma pessoa, Carmen Cerqueira, esposa de Tenório. Eles tiveram quatro filhos e Carmen estava grávida de oito meses do quinto.
Finalmente consegui um exemplar de “Embalo”, que tinha sido re-editado no Japão. O álbum é fantástico. Nele tocam alguns dos maiores músicos do Brasil: Paulo Moura, Raúl de Souza, Milton Banana, J.T. Meirelles… Quando o disco foi gravado, Tenório ainda nem tinha completado 24 anos. Naquela época, ele ainda era um estudante de medicina que, à noite, revolucionava a música brasileira (ou seja, a música mundial) em alguns dos bares do já lendário e desaparecido “Beco das Garrafas”, onde se reuniam músicos para intermináveis jam sessions que moldaram a variante brasileira do jazz: o “Samba-Jazz”, o aspeto instrumental da Bossa Nova.
Tom Jobim, João Gilberto, Baden Powell, Sergio Mendes, Luiz Eça, Deodato, etc… são alguns dos grandes protagonistas de uma época de ouro que colocou a música brasileira na vanguarda da música mundial. Tenório Júnior, com Luiz Eça e João Donato, formaram o triunvirato de grandes pianistas brasileiros.
Durante vários anos, viajei por diversos lugares do Brasil, da Argentina, dos Estados Unidos, da França… em busca de pessoas que pudessem contar-me sobre o Tenório, quem ele era, como ele era, contar coisas sobre a sua vida, a sua música, o seu trágico desaparecimento. Depois de mais de 150 horas de entrevistas com pessoas ligadas diretamente ao Tenório, um dia decidi começar a escrever o argumento de “Mataram o Pianista”. Escolho a animação como a linguagem mais adequada para recriar a sua vida, a sua música e a sua época.