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A 3ª idade em 1º plano – 3 Actores seniores em estado de graça para descobrir na FILMIN

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First you’re another
Sloe-eyed vamp
Then someone’s mother
Then you’re camp
Then you career
From career to career
I’m almost through my memoirs
And I’m here!
“I’m still here” do musical Follies (1971)

O ofício de ator foi, é e provavelmente sempre será muito traiçoeiro. De modo a conseguir uma carreira com longevidade, desde o nascimento do cinema, muitos atores são obrigados a adquirir olho para o negócio de modo a conseguirem permanecer relevantes e desejáveis na sua indústria. E mesmo fazendo as escolhas certas, a nível empresarial e artístico, que levam à criação de uma filmografia diversa e interessante, a agulha do tempo não anda para trás. A entrada na 3ª idade leva a que as ofertas de papéis principais diminuam e as de papéis secundários aumentem. E os últimos nem sempre possuem grande profundidade ou complexidade.

Isto já ocorria em 1971 quando Stephen Sondheim, aquando do processo de criação do musical Follies, tentava compor uma canção que ilustrasse de forma ágil e humorística o perfil firme e inabalável de uma personagem crucial chamada Carlotta Campion. Esta é uma ex-showgirl que após muitos altos e baixos na sua carreira, desfruta no presente de um sucesso moderado enquanto estrela de TV. Após muitas tentativas falhadas, Sondheim criou “I’m Still Here”, um hino de sobrevivência, em que Carlotta partilha com o público a tenacidade e bravura necessárias para criar, construir e reconstruir uma carreira que possa perdurar.

Tal como Carlotta, os artistas presentes nos três filmes em destaque neste artigo, possuem um currículo extenso e marcado por diversas conquistas. Todos eles participaram ao longo da carreira em múltiplos projetos aclamados pelo público e crítica. A presente lista apresenta três longas-metragens, todas elas disponíveis na plataforma de streaming FILMIN, em que o espectador é presenteado com três interpretações notáveis, que demonstram quão ricas e variadas as histórias centradas em personagens seniores podem ser.

Imagem do filme 'Quando Chega o Outono'
Imagem do filme ‘Quando Chega o Outono’

Quando chega o Outono / 2024 · Realização: François Ozon

Iniciamos esta lista com a mais recente longa-metragem de François Ozon, na qual seguimos a história de Michelle (Hélène Vincent), uma mulher reformada que reside numa pequena aldeia da Borgonha em França. O seu dia-a-dia é calmo e sereno e centrado no cuidar da casa, do jardim e da horta. Ela partilha esta existência bucólica com a vizinha e melhor amiga Marie-Claude (Josiane Balasko), que conhece desde a juventude e que no presente aguarda a saída do seu filho Vincent (Pierre Lottin) da prisão. Quando a sua filha Valérie (Ludivine Sagnier), com quem tem uma relação muito acrimoniosa, lhe deixa passar uns dias com o neto Lucas (Garlan Erlos) durante as férias escolares, a felicidade de Michelle é imensa. Mas a mesma cessa rapidamente, após Valérie ter uma intoxicação alimentar devido a uns cogumelos da floresta que a mãe cozinhou e acusar a mesma de a tentar envenenar. A partir daí segredos do passado de Michelle e Marie-Claude serão revelados e alianças inesperadas serão estabelecidas que irão alterar de forma irrevogável o destino de todas estas personagens.

Esta é a segunda colaboração de Hélène Vincent com Ozon, após a sua participação no filme Graças a Deus (2019). A atriz francesa nasceu em Paris em 1943, tornando-se a partir dos anos 60 uma presença constante no mundo do cinema francês. Destacou-se tanto no cinema de autor como no cinema comercial, em filmes como A Vida é um Longo Rio Tranquilo (1988) ou Três Cores: Azul (1993). Para além do cinema, trabalha regularmente na esfera teatral, como atriz e encenadora.

Nas primeiras cenas de Quando chega o Outono, Michelle parece ser um cliché andante, a avó simpática e ternurenta, que só quer mimar o neto a toda a hora. Mas depressa o espectador começa a suspeitar, que algo não bate certo nesta imagem idílica. Certas ações benevolentes de Michelle, começam a adquirir contornos malévolos. Vincent representa impecavelmente a ambiguidade moral desta mulher, que só deseja proteger os que lhe são mais próximos e alcançar a felicidade total. Mas a que custo?

Ozon cozinha nesta colaboração com Vincent, um suspense que “coze em lume brando” e oferece ao espetador um prato final cheio de intriga, com um humor negro aterrador.

Imagem do filme 'Uma História Simples'
Imagem do filme ‘Uma História Simples’

Uma História Simples / 1999 · Realização: David Lynch

E de França partimos para os Estados Unidos da América (EUA). A segunda proposta é, a meu ver, dos filmes menos malévolos que alguma vez vi. Uma História Simples é uma longa-metragem baseada em factos verídicos que ocorreram em 1994 nos EUA. Conta a história da viagem inaudita de Alvin Straight (Richard Farnsworth), um reformado de 73 anos, que decide conduzir o seu cortador de relva, o único veículo que tinha autorização para conduzir, de Laurens no Estado do Iowa, até ao Mount Zion no Estado do Wisconsin. O objetivo desta jornada é restabelecer a relação com o seu irmão mais velho, Lyle, que se encontra doente e com quem não fala há 10 anos. A viagem acaba por transformar Straight e todos aqueles com quem se cruza.

Richard Farnsworth nasceu em 1920 em Los Angeles e iniciou a sua carreira aos 16 anos como duplo. Exerceu essa profissão e o ofício de figurante durante várias décadas, trabalhando em filmes como As Aventuras de Marco Polo (1938) ou Spartacus (1960). Somente a partir de 1977 começou a obter papéis mais substanciais, obtendo em 1978 uma nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário pelo seu trabalho em A Mulher Implacável de Alan J. Pakula. Seguiram-se muitos mais papéis, mas, com o avançar da idade, as oportunidades começaram a diminuir. Após filmar Lassie (1994), decide ficar a trabalhar somente no seu rancho em Lincoln no Estado do New Mexico. Somente em 1998 interromperia a sua reforma para interpretar Alvin Straight.

A 8ª longa-metragem de David Lynch é um objeto invulgar dentro da sua filmografia. Não encontramos aqui uma atmosfera alucinante e surreal, que permeia grande parte do seu universo cinematográfico. Este é um road movie muito simples que enfeitiça o espectador pouco a pouco. Farnsworth interpreta Straight com conta, peso e medida. Sim, Alvin é o típico idoso casmurro com que todos nós já nos cruzamos, mas ao longo do filme o espectador fica a conhecer a sua faceta mais delicada e sensível. As interações que Straight têm com a filha Rose (Sissy Spacek), com uma jovem vagabunda ou com dois mecânicos permitem que o espectador possa delinear uma imagem completa e autêntica desta personagem encantadora. Um homem para quem a vida nem sempre foi um mar de rosas, mas que ainda assim conseguiu sobreviver e continuar a seguir em frente de peito cheio e cabeça erguida.

Aliada a esta performance comovente, é imperativo destacar também a deliciosa banda-sonora de Angelo Badalamenti, colaborador frequente de Lynch. A junção da mesma com as belas paisagens do Iowa e do Wisconsin, consegue amaciar o espectador mais stressado. Lynch ao longo do filme cria uma atmosfera serena que convida-nos a abrandar, contemplar e apreciar cada momento da viagem de Straight. Lynch assina aqui um filme engraçado, enternecedor e com um charme desarmante que demonstra o poder regenerador da compaixão e da empatia.

Uma História Simples seria o último filme que Farnsworth faria. Aos 80 anos suicidou-se na sua residência. O ator sofria de um cancro terminal, que lhe tinha sido diagnosticado ainda antes de iniciar a rodagem do filme em questão. O seu legado é enorme e dele faz parte, sem dúvida alguma, esta sua derradeira performance que 24 anos depois continua a ter o poder de comover espectadores de todas as idades.

Imagem do filme 'Mother - Uma Força Única'
Imagem do filme ‘Mother – Uma Força Única’

Mother – Uma Força Única / 2009 · Realização: Bong Joon-ho

Terminamos esta lista viajando para a Coreia do Sul com Mother – Uma Força Única. Este thriller é protagonizado por Kim Hye-ja, que interpreta uma personagem que não tem nome próprio, sendo sempre identificada somente como Mãe. Mãe é uma viúva com poucas posses, que passa grande parte dos seus dias a cuidar do seu filho Do-joon (Won Bin), um rapaz muito ingênuo e simplório, que aos 27 anos ainda é inteiramente dependente dos cuidados da progenitora. Quando uma jovem é assassinada, de um modo brutal, perto da casa de Mãe todas as pistas apontam para o seu filho. Perante uma polícia apática e um advogado de defesa ineficaz, Mãe decide ir em busca do verdadeiro culpado de modo a provar a inocência de Do-joon usando os seus próprios meios. Uma decisão que irá alterar a vida de ambos para sempre.

Kim Hye-ja nasceu em Seoul em 1941. Iniciou a sua carreira na televisão nos anos 60, onde alcançaria um enorme sucesso e popularidade em séries como Country Diaries (1980), onde encarnava personagens que representavam a mãe coreana ideal, sempre carinhosa e a transbordar de amor incondicional pela sua família. Em anos mais recentes a atriz continua a destacar-se na televisão em séries como Dear My Friends (2016), The Light in Your Eyes (2019) ou Our Blues (2022); participando também esporadicamente em diversas produções teatrais.

Em Mother – Uma Força Única, Kim interpreta uma mãe bastante diferente das matriarcas dos seus dramas televisivos. O amor de Mãe por Do-joon é arrebatador e sufocante. Esta relação intensa causa à protagonista um cansaço e desgaste, físico e mental, constantes e leva a que as suas interações com o mundo que a rodeia sejam quase sempre um pouco invulgares. A performance dinâmica e desassossegada de Kim, é altamente potente a nível emocional. A atriz consegue personificar de forma notável, uma faceta particularmente feral do amor maternal. Bong Joon-ho constrói com a excelente interpretação de Kim, um thriller robusto e desenvolto com um desfecho final que não deixa ninguém indiferente.

Texto escrito por M. Filipe.

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