Olhando para a paisagem congelada, Jeanne sonha com a Rainha da Neve imortal e impossivelmente bela. Com uma inquietação dentro dela, ela foge da sua casa adoptiva e vagueia pela cidade adormecida. Entrando dentro de um edifício antigo para passar a noite, ela encontra-se no set de um filme de adaptação da fábula com a qual ela tanto sonha, em que a atriz que interpreta a Rainha da Neve, Cristina, é tão frigidamente hipnótica como a personagem que ela imaginava. Embalado num prisma de cores frias, o espectador é convidado a entrar nesta fábula que existe na barreira entre a realidade e o sonho, na qual existe o cinema. Esta é uma história de obsessão, mas também de criação artística, em que Lucille Hadzihalilovic de forma brilhante convida-nos a refletir sobre a própria natureza do cinema e a forma como este nos permite sonhar de olhos abertos.
Uma espécie de All About Eve fantasioso e mais explicitamente sáfico, acompanhamos a evolução desta relação entre esta rapariga que se infiltra dentro deste filme e esta atriz mais velha e experiente. Acompanhada por uma banda sonora que lembra tanto contos de fadas como cristais de gelo, esta história de competição e obsessão feminina faz-nos entrar numa espécie de transe, em que é explorada esta barreira entre realidade e sonho, que é deliberadamente deixada à ambiguidade. Isto não é mais evidente do que a cena em que Cristina, interpretada por Marion Cotillard, é introduzida – uma cena que nos seduz e puxa para o fantástico, mas que existe num set de um filme, sendo puxada para o terrestre pela voz do realizador a berrar “corta!”.
Cotillard incorpora de forma perfeita esta figura de diva imortal, apenas precisando de nos olhar para nos congelar no nosso lugar, no entanto, através da sua expressão esconde de forma subtil, mas reveladora a inquietude vulnerável presente tanto em Cristina como na Rainha, contribuindo para este efeito de confusão entre fantástico e real que caracteriza o olhar de Jeanne.
A Torre de Gelo é uma fantasia insidiosa e envolvente que nos revela a natureza da sua própria fantasia, convidando-nos a refletir sobre a natureza do próprio cinema. É, de uma certa forma, uma fantasia brechtiana, revelando os seus alicerces e colocando-os em causa, ao mesmo tempo que nos assombra com as ambições e obsessão das duas mulheres que orbitam no seu centro. É um filme que apresenta uma beleza gélida, quase impenetrável, que nos embala e nos confunde, mas que nos seduz e fica connosco como um feitiço.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.
