Crítica: Sirât - Cinco estrelas por Jasmim Bettencourt

Sirât – Uma viagem hipnótica pelo fim do mundo

5 estrelas Cannes Críticas

Corpos dançam, alienados. Pelo ar seco flutua um feitiço eletrónico que pulsa e vibra, criando uma bolha utópica no deserto marroquino, distante de toda a realidade do mundo à sua volta. Neste cenário, Luis procura a sua filha desaparecida, acompanhado pelo seu filho Esteban. Neste mundo de substâncias e vibrações, a sua filha parece ter-se dissolvido. Quando o exército marroquino interrompe o festival no início do que parece ser um novo conflito mundial, Luis junta-se a um grupo de desajustados que fogem e procuram o próximo festival nas profundezas do deserto. O mundo, no entanto, continua o seu percurso de forma indiferente e, eventualmente, esta bolha que envolve estas personagens será rebentada – e será de forma violenta.

Viajando num transe pela paisagem impiedosa do Sahara, Oliver Laxe constrói um filme-jornada que se afirma de forma perturbadora como dos filmes mais necessários neste momento. Sirât é um filme esquivo pela forma inteligente com que o espectador é inserido na visão do mundo das personagens que seguimos. Este grupo de desajustados não é mais do que um grupo de pessoas que vêm do mundo privilegiado da Europa para um país do Sul Global para se divertirem, ignorando completamente a realidade que os rodeia ou pensando que a conhecem e a podem ter sob controlo. O que nos é mostrado é como, de forma avassaladora, esta realidade ignorada pode ter a sua vingança sobre nós.

Numa mistura de Mad Max e Heart of Darkness, este filme, que se torna numa verdadeira jornada emocional, arrasando-nos, questiona o atual sistema mundial, as relações entre Norte Global e Sul Global e a forma como afetam a vida de indivíduos. Através de uma banda sonora e cinematografia hipnotizantes, o espectador é imerso neste mundo, verdadeiramente entrando num transe, fazendo com que o impacto emocional deste filme seja ampliado e torne-o numa experiência inquietante que dificilmente se descola dos nossos pensamentos. No entanto, é a forma como este filme mistura a beleza com a violência de forma tão crua e severa que faz destacar este filme, pois Laxe consegue, de forma magistral, impedir que esta se torne em algo gratuito, mas que aprofunde o questionamento do filme das dinâmicas de poder entre os personagens, o seu contexto político e a própria força da natureza.

Com uma paisagem estéril mas que hipnotiza, violenta mas bela, Laxe manifesta a psicologia de uma sociedade que se confronta cada vez mais com o fim do mundo, seja pela ameaça de um conflito nuclear mundial ou pela ameaça da crise climática. Sendo que o cinema pode ser considerado como uma extensão dos nossos sonhos coletivos, e sendo os sonhos uma manifestação do nosso psique, Sirât é certamente uma manifestação inabalável da situação em que vivemos. É uma reflexão das dinâmicas de poder entre colonizador e colonizado, mas também é uma chamada de atenção para o mundo para o qual caminhamos, um mundo que se encontra ao fundo de um caminho que desemboca numa desolação tórrida.

Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.

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