Imagem/still do filme "Hotel Amor"

Hotel Amor: Jessica Athayde em Gestão de Crise

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Hotel Amor, o novo filme de Hermano Moreira, é uma produção luso-brasileira e está em cartaz a partir do dia 19 de junho. O Bernardo Freire entrevistou a atriz Jessica Athayde a propósito do filme no âmbito do Podcast Freire & Marques no Cinema. Não percas a entrevista no registo escrito, no Cinema em Portugal ou opta por ouvir a conversa no Podcast esta quinta-feira.

Entrevista a Jessica Athayde

Bernardo Freire: Jessica Athayde, bem-vinda ao programa. Como é que estás?

Jessica Athayde: Estou muito bem, obrigada. Hoje, neste dia de promoção ao filme Hotel Amor.

Bernardo Freire: Vamos conversar um bocadinho exatamente sobre o filme Hotel Amor, filme da Hermano Moreira, que protagonizas enquanto gestora de um hotel em Lisboa, numa situação de grande pressão. Enfrentas situações de logística, emocionais e também de puro capricho. A tua personagem chama-se Catarina Moura. E o apelido Moura não foi escolhido ao acaso, porque a Catarina de facto trabalha que nem uma moura, para responder aqui à situação de crise em que o hotel se encontra. Mas também não é para se distrair um pouco dos traumas do passado. Então eu questiono, na composição da personagem, tiveste de chegar a algum lado com o qual provavelmente não te tenhas identificado à partida? Ou foi um processo mais imediato para ti?

Jessica Athayde: Não, não foi um processo imediato, aliás, eu acho que nunca tenho um processo imediato em qualquer personagem que vá fazer, só se a fizesse de uma forma muito superficial é que seria a primeira abordagem. Aqui não foi. Tive a oportunidade de trabalhar e de descobrir várias camadas da personagem. Aqui nós tivemos uma preparação até simpática, porque como deves saber nem sempre existe tempo. Portanto, nós tivemos aqui umas semanas que foram muito importantes para mim, principalmente. Eu passei muito tempo num hotel, a conhecer o hotel, a conhecer cada canto do hotel, a saber onde é que as coisas eram guardadas, quais é que eram os horários do staff antes de começarmos a entrar nos ensaios de mesa, portanto já estava o ‘cheiro’ do hotel. E depois a partir daí começámos com outras direções de trabalho, a coreografar, porque foi feito em planos de sequência, portanto coreografar a parte técnica que também foi essencial estarmos seguros daquilo que estaríamos a fazer e conhecer bem os cantos à casa. E depois, por fim, cheguei à fase daquilo que eu queria passar enquanto Catarina neste filme, que não fosse destoar muito do resto do elenco. Eu não acho, pessoalmente, que isto seja uma comédia. Acho que é um timeline de um dia de vinte e quatro horas dentro de um hotel, que tem momentos cómicos e que é a vida a acontecer. E nós gostamos todos de… cuscar a vida dos outros, não é, (risos) de alguma forma ou outra, principalmente num hotel. Há sempre curiosidades. Inclusivamente, eu tenho um amigo meu que tem um hotel e que está doido para ver o filme porque diz que quando viu o trailer identificou muitas questões, como o staff e isso tudo, questões que ele próprio também lida. As pessoas acham que isto, se calhar, é surreal, mas não é. A verdade é que este tipo de coisas acontecem em hotéis.

Bernardo Freire: E eu, enquanto frequentador de hotéis, consigo imaginar. Foi bastante curioso perceber as dinâmicas que, apesar de, sim, serem cómicas, têm também uma cobertura dramática que eu penso que é o que acaba por se realçar. E aí é curioso, porque o filme é exigente do ponto de vista da coreografia, como referiste foi filmado em planos de sequência, que têm transições imperceptíveis, ainda que se entenda quando é que os cortes são feitos, mas é preciso estar com atenção e perceber um bocadinho de como é que a montagem funciona.

Jessica Athayde: Olho clínico de quem conhece já consegue identificar.

Imagem/still do filme "Hotel Amor"
Imagem/still do filme Hotel Amor

Bernardo Freire: Exatamente. No entanto, esta coreografia obriga-te a estar sempre em movimento, a apagar os fogos, com timings muito apertados para que os planos funcionem, apesar do movimento. Mas também tens um arco que te permite dar corpo à personagem, por seres precisamente a protagonista. Como é que foi gerir esta tensão entre teres de ter uma precisão de movimentos, para não falhar nada nos planos, e por outro lado teres a liberdade criativa para trabalhar a personagem e torná-la tua?

Jessica Athayde: Eu acho que, não querendo parecer mal interpretada no que digo, ou como se costuma dizer ‘cagona’, eu preparei-me muito para o filme. Portanto, eu quando iniciei o dia de filmagens eu vinha muito segura do que era o meu trabalho, e da responsabilidade que eu tinha a nível técnico também. Portanto, era como se tivesse decorado, aprendido uma dança nova, coreografia nova, portanto fui incansável nesse sentido e trazer aquilo que eu acreditava que ia funcionar para a Catarina, lá está, para não destoar das outras personagens, que fosse passar de imediato, que ela era uma personagem que não era leve, que estava cansada, era descuidada, que era muito trabalhadora, mas que se esquecia dela enquanto mulher. Não se maquilhava, não tomava duche, passava água na cara e debaixo dos braços, e estava a andar para seguir viagem. E estava cem por cento mergulhada no trabalho, e eu mergulhei-me por completo no trabalho. A sorte de ter planos de sequência é que nos permite fazer as coisas com princípio, meio e fim, e não saltar do fim para o princípio e do meio para o princípio. Portanto, dá para trabalhar uma linha de coerência daquele caminho que nós queremos fazer. E foi isso que aconteceu aqui, como eu comecei do princípio e pude ir desembrulhando aos bocadinhos o que eu queria dar da Catarina, e  tentar fazê-lo sem exageros naturalmente, e tentar fazer com que não fosse uma coisa overacting, que não fosse uma coisa que não fosse credível. Claro que há momentos cómicos, claro que há momentos de comedy relief. E não há uma mensagem extraordinária neste filme. Há só a mensagem que nós não podemos viver só para trabalhar, que eu acho que qualquer pessoa hoje em dia consegue perceber isso. Identificar-se, não é? Porque vivemos todos reféns de trabalhar para pagar contas e não viver a vida como gostaríamos porque o país não nos permite nesta altura, não é? E pelo andar da carruagem também não vai ficar melhor. Mas, no caso dela, há também a componente emocional de se enterrar no trabalho para sobreviver e ignorar os buracos emocionais que ela tem, que para mim é um buraco que eu acho que deve ser insuportável de se viver com, senão impossível algum dia de se ultrapassar, que é a perda de um filho. Portanto, a sobrevivência dela é um chip que ela meteu para trabalhar e este hotel é a vida dela e este staff é a vida dela, e ela está a tentar manter toda a gente fora de água.

Bernardo Freire: E de facto tem essas camadas um bocadinho mais dramáticas, ainda que seja um filme que prima pelo entretenimento, sobretudo. Como disseste, e bem, a tua personagem não destoa das restantes, apesar de ser aquela que mais se preocupa no meio do staff. Agora, Jessica, foi na Ilha dos Amores, na altura com o Pedro Lima, isto em 2007, que fizeste a tua primeira cena de sexo. No Hotel Amor, tens também uma cena de intimidade, desta vez com o Francisco Froes, uma cena crucial para a tua personagem. Como é que te preparaste para esta cena em particular? E pergunto também se houve algum coordenador de intimidade envolvido, que é uma figura que no estrangeiro está muito implementada, e questiono-me qual é o panorama em Portugal. Estou curioso para perceber como é que funciona.

Jessica Athayde: Nós aqui não tivemos um coordenador de intimidade, acho que não tínhamos budget, sinceramente. Mas tivemos uma coreografia. Foi coreografada várias vezes, até chegarmos a um sítio confortável. Depois não esquecer que é fazer isto com um plano de sequência. Portanto, sai uma camisa, sai isto, mas depois tem que voltar, e não dá para sair de plano sem de repente aparecer alguém do som ou um espelho… Portanto, isto foi mesmo feito ao mais ínfimo detalhe. Eu sou muito sincera, eu fiz muitas cenas ao longo dos meus anos nas novelas, e curiosamente a maior parte delas foi sempre com o Pedro Lima, que enquanto por cá andou tratou-me sempre com o máximo de respeito e só tive experiências muito profissionais e boas, nunca tive nenhuma questão com nenhum ator e naturalmente aqui também não. Houve um cuidado gigante para que eu me sentisse confortável a fazer a cena, porque eu tinha que me despir e era mesmo importante que esta cena fosse um marco para a personagem da Catarina, que visto se calhar numa componente inteira as pessoas podem até achar ‘Ah é uma cena de sexo’, mas é aqui que ela volta a sentir-se mulher, e que era uma coisa que não acontecia há muitos anos.

Bernardo Freire: A tal aventura que a personagem do Francisco refere.

Jessica Athayde: E é isso que a puxa para começar a questionar o que é ela realmente anda a fazer. E a partir daí é quando se começa a libertar do trabalho e a pensar no fundo em que direção é que vai. Sim, foi viajar, mas quem sabe o que é que ela foi fazer. Se calhar foi-se curar, se calhar foi-se meter em terapia e gritar e chorar e coisas que ela não fez provavelmente quando o deveria ter feito.

Imagem/still do filme "Hotel Amor"
Imagem/still do filme Hotel Amor

Bernardo Freire: Jessica, nesta vida de artista, em que muitas vezes não se sabe qual vai ser o próximo projeto, ou quando, têm sido as novelas e muitas séries aquilo que te dá estabilidade. Mas eu pergunto-te, o que é que o cinema te dá, que porventura as novelas e as séries não te têm dado ao longo da tua carreira?

Jessica Athayde: Eu acho que, atenção, as novelas dão-te sempre qualquer coisa, todos os projetos, todas as personagens dão. No meu caso, foi só o facto de eu fazer muitas novelas ao longo de muitos anos de seguida. O facto de já não fazer uma novela, sei lá, provavelmente há mais de cinco anos, e ter feito séries, eu gosto. O que me agrada em séries, o que me agrada acima de tudo, é fazer naturalmente personagens que sejam interessantes para mim enquanto atriz, mas eu gosto de durações curtas. As novelas já envolvem um ano de vida. E as séries já é uma coisa mais curta e por norma, já há um princípio, meio e fim, de forma a trabalhar de uma forma diferente e há tempo para não cair, se calhar, na primeira opção que seria a personagem, e dá para trabalhá-la mais a fundo. E isso é o que eu gosto, isso é o que eu adoro em teatro, são as preparações. E em cinema é o meu segundo filme, a minha segunda oportunidade, e espero mesmo que venham mais ao longo da minha vida. Adoro cinema, eu adoro ir ao cinema, adoro ver cinema. Tenho muita admiração por realizadores e atores, e estou mesmo contente que se faça um filme português que não seja uma comédia pura e dura, ou fácil, ou que também não seja um filme histórico e pesado. É bom que haja cinema para todos.

Bernardo Freire: Exatamente. Este, a par com o Sonhar com Leões, inclusive, são aqueles filmes que dão que pensar ao mesmo tempo que entretêm, e são propostas muito singulares no panorama português atual.

Jessica Athayde: Sim, mas o Sonhar com Leões já entramos aqui numa coisa que tem a ver com a eutanásia, portanto logo aí podem-se ferir algumas susceptibilidades.

Bernardo Freire: É mais polémico, digamos assim.

Jessica Athayde: Este é um filme mais friendly.

Bernardo Freire: É mais acessível ao grande público e não tem aqui uma camada psicológica tão agressiva.

Jessica Athayde: Temos aqui uma orgia (risos). Temos coisas que de repente não se está à espera, mas que também dá cor, movimento e acontecimento ao hotel. E que acontece nos hotéis.

Bernardo Freire: Ora bem, não estamos aqui a inventar nada. Falavas há pouco do teu gosto por cinema, e para fecharmos eu pergunto-te uma pergunta simples de fazer, mas difícil de responder, que é: Jessica, qual é o filme da tua vida?

Jessica Athayde: É muito difícil responder a isso. É muito, muito difícil, porque nós estamos sempre constantemente em alturas diferentes da nossa vida. Os filmes, em certa altura, nós conseguimo-nos identificar e sonhamos com eles, e fazem parte daquele determinado momento. Como de repente ver um filme, por exemplo, Marriage Story, eu vi aquele filme numa altura que estava separada, portanto, aquilo tocou-me de uma maneira completamente diferente. Se calhar era O Rei Leão por ter um filho, e voltar a rever alguns clássicos, também leva-me a um sítio sempre nostálgico. Portanto, escolher um filme é difícil, mas vou falar de um que me deu um imenso gozo ver, um filme brasileiro, Ainda Estou Aqui, eu vi no cinema e o que se viveu dentro de uma sala de cinema, que eu nunca tinha sentido, era o público ficar em silêncio e a bater palmas a seguir. E esse momento foi muito marcante para mim. Claro, depois da história e depois das interpretações, e depois de tudo ser maravilhoso naturalmente, o sentir que pessoas desconhecidas sentarem-se numa sala e não se levantarem rapidamente para se irem embora, para se agarrarem aos telefones, e ficarem a aplaudir um filme, foi uma coisa que nunca me tinha acontecido e que me marcou.

Bernardo Freire: Muito bem. Essa comunhão também é o que se quer das salas de cinema, e começa-se a falar disso mesmo com alguma nostalgia, como se não pudesse acontecer hoje mesmo, por exemplo, ao assistirmos a Hotel Amor, que também termina assim de uma maneira que, de certa forma, marca aqui uma nova forma de estar, uma mudança de paradigma para com a tua personagem. Quem sabe se não poderá incitar uma reação desse género (risos). Ainda que, de facto, o Ainda Estou Aqui seja, no meu entender também, um dos melhores filmes do ano, portanto, bela escolha Jessica. Parabéns pelo filme. Gostei muito de te ver neste registo. Hotel Amor está a partir de hoje nos cinemas em Portugal, boa sorte para a divulgação do filme e encontramo-nos no cinema. Obrigado!

Jessica Athayde: Obrigada. Espero que voltemos a falar. Obrigada!

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