Era uma vez uma rapariga chamada Elisabeth Sparkle que vivia no foco do holofote do reino dos sonhos conhecido como Hollywood. O seu nome circula pela boca das pessoas pelo mundo todo e é imortalizado numa estrela. A sua beleza e o seu talento são lendários. No entanto, com o tempo, a sua beleza – ou a perceção desta – desvanece e ela é esquecida no mar de nomes que habitam este reino. Relegada a apresentar um programa de fitness, ela procura uma forma de voltar a agarrar esta fama que a embevece. Como uma dádiva divina, ela encontra algo – uma substância, um produto experimental de uma empresa misteriosa, como uma bruxa alquimista, – que promete fama e fortuna na forma de um corpo mais jovem e melhorado. Desesperada, ela aceita submeter-se a esta experiência. Semana sim, semana não, ela poderá viver num corpo jovem e ter as regalias que vêm com este. No entanto, haverá um preço a pagar? Não haverá consequências? O que revelará esta substância?
Uma fábula do mundo contemporâneo, The Substance é um espetáculo de terror como poucos outros que revela algo perturbador por baixo da sua superfície com cores vivas. Coralie Fargeat constrói uma jornada de vários significados em que nos perdemos, uma fábula que, através do body horror, revela a fealdade por baixo da sedução da sociedade da gratificação imediata. Com uma banda sonora e uma edição estonteantes, somos engolidos por este filme assustadoramente verdadeiro.
Manipulando estereótipos do género de terror, Fargeat coloca o espectador no lugar de Elizabeth, interpretada por Demi Moore no que é talvez o melhor papel da sua carreira, fazendo-nos observar a sua história de um lugar aparentemente desligado dela. No entanto, essa distância é enganadora, pois somos constantemente confrontados com este personagem como um espelho da sociedade à sua volta. Com um humor irónico que pervade o filme, Fargeat convida-nos a encontrar humor nas situações mais insólitas. No entanto, e de uma forma brilhante, este humor que choca com o terror faz com que sejamos confrontados de forma mais imediata com a forma como a sociedade observa o corpo feminino e o seu envelhecimento.
Desta forma, em The Substance, o humor é utilizado de forma a tornar o seu visionamento uma experiência mais perturbadora, que coloca o espectador numa situação desconfortável. Tudo o que é colocado no grande ecrã é colocado para confrontar o espectador consigo próprio, com o seu olhar e com os seus preconceitos. Fargeat constrói assim um terror feminista brilhante que confronta tanto o male gaze como a forma histórica com que corpos femininos são manipulados e agredidos no género de terror.
The Substance é um filme subversivo que, através do seu formato de fábula, desconstrói a si e ao género em que se enquadra, revelando assim um retrato de Dorian Gray da sociedade hiper-capitalista. O monstro disforme que se revela no filme não é tanto um castigo a esta personagem feminina mas sim a revelação da sociedade como realmente é, pois Elisabeth não é mais do que uma reflexão do que está tão bem escondido por trás de estrelas, holofotes e filtros – sendo que o final deste filme é dos finais mais catárticos (e sangrentos) para este efeito. The Substance é uma fábula, um espetáculo descomunal, e uma inteligente reflexão satírica. O espectador pode se rir desta protagonista e da sua tragédia, mas quem ri no final é o filme.
The Substance foi um dos filmes mais esperados do MotelX, e, certamente, superou as expectativas, provando ser dos melhores e mais memoráveis filmes do ano.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt. O filme aqui abordado faz parte da programação da 18ª edição do MOTELX.
Oi Jasmin, tudo bem?
Você sabe se este filme terá exibição nos próximos dias? Pois a programação do MotelX já encerrou, inclusive anterior a sua postagem. Obrigado.