No ofício da representação no cinema, dá-se erradamente por garantido o êxito do realismo. A aproximação da ação do ator ao quotidiano requer um trabalho de composição que estabelece uma afinidade entre o texto e o corpo emprestado à personagem. Cingindo-me ao cinema português, quando Nuno Lopes está em cena no drama socioeconómico São Jorge (2016), o seu desempenho inscreve-se numa corrente de realismo social que molda a postura do ator. Move-se cabisbaixo, contido na sua ansiedade. Revela-se, na soma dos trejeitos, um filho da precariedade. Assim como Albano Jerónimo, no papel do tolinho da aldeia na tragédia de costumes Restos do Vento (2022), expressa resignação por meio do olhar carregado e de gestos pouco urbanos.
Parecer natural diante a câmara significa, portanto, mais do que a mera tentativa de imitar a realidade. Isto torna-se evidente quando nos deparamos com um certo amadorismo. Refiro-me ao desenvolvimento de uma aparência de mundanidade que não corresponde senão a um estado de banalidade, tão geral que termina desprovida de autenticidade. Esta é uma das várias dores que encontramos no drama psicológico Nana Nana Meu Menino, longa-metragem do estreante realizador Carlos Moreira, que acumula funções de produtor, argumentista, protagonista, montador, efeitos visuais e trabalho de som. A contribuição plena de um fisioterapeuta de profissão que deixou de parte os pacientes para se enamorar a tempo inteiro pela arte do cinema.

No entanto, mantém-se no consultório, desta vez na pele de Eduardo: fisioterapeuta e dono de uma clínica de reabilitação física que vive atormentado por um episódio do seu passado. Ele aguarda pacientemente pela última utente da tarde, que tem por hábito não aparecer às sessões agendadas. Entretém-se com uma leitura de autoajuda, cuja capa não deve muito à estética. Até que, tarde e a más horas, Teresa (Adélia Pereira) chega para tratar a dor nas costas que há anos lhe tira o sono. Neurocirurgiã de profissão, lida bem com o sucesso e é dona de uma assertividade que facilmente se confunde com irreverência. Ambos colidem no consultório, onde, gradualmente, descobrem que o passado não mora longe.
Segue-se a tentativa de estender a sessão (ou seja, a duração do filme) com recurso às pausas mais impertinentes, nomeadamente as constantes saídas e entradas do fisioterapeuta do espaço onde se encontra Teresa. Cenas onde a ação, já por si pachorrenta e despida de tensão dramática, estanca por completo, como quem aperta um torniquete para evitar esvair-se em sangue. Na tentativa de simular o real, Carlos Moreira encena uma relação entre fisioterapeuta e paciente que me deixou num estado de perpétua impassividade.
O que, convenhamos, não é inteiramente verdade… já que os efeitos sonoros – mescla de palhetas livres e percussão, sempre utilizados para martelar nos ouvidos alguma revelação ou sentimento das personagens – são deveras insuportáveis. A decisão de introduzir algum som enquanto ponto de exclamação é, neste caso, condição de fraca dramaturgia; sem esquecer o volume extremado, que associo a alguma insegurança em relação à qualidade do texto. Afinal, se a narrativa estivesse a funcionar do ponto de vista da relação entre as personagens, estas sobrecargas não seriam necessárias.

Mesmo quando procurei reencontrar-me na história, confrontei-me vezes sem conta com um ambiente de tal modo descaracterizado que me engoliu num tédio de tons esbranquiçados. É por demais ascético e destitui o espaço de qualquer interesse. E já que a ação, rodada em Penafiel, se confina à clínica de reabilitação, procurei, sem sucesso, algum estímulo nas personagens e temas enredados. Em última análise, a incapacidade de elaborar sobre as ideias de recalcamento ou ressentimento revela-se fatal. Os resquícios de conflito interno que encontro vertem rapidamente para o campo da caricatura trivial.
Neste aspeto, Nana Nana Meu Menino consegue, volta e meia, arrancar fartas gargalhadas, tendo em conta o humor rudimentar e alguns acessos desajeitados por parte de Carlos Moreira. Agora… não quero com isto dizer que ameaça tornar-se no The Room (2003) nacional, pois não tem particularidades que lhe confiram o mínimo grau de entretenimento – nem frases tão memoráveis como “You’re tearing me apart, Lisa!”. Qualidades como charme, mesmo nas produções mais desastrosas, requererem uma rara combinação de paixão e descontrolo. Por seu torno, este é um filme de cara cerrada, com opções de estilo que desservem uma história já de si frágil.
Classificação: 1 em 5 estrelas. Texto escrito por Bernardo Freire.