Crítica: Superman / Super-Homem - Quatro estrelas por Francisco Empis

Tal como há um humano dentro do Super-Homem, também há um Super-Homem dentro de nós

4 estrelas Críticas

Tenho de admitir, já lá ia algum tempo desde a última vez que me senti tão ignorante no fim de um filme. Parecia uma criança, os créditos finais começaram e eu estava consciente de que tinha adorado o filme, mas o como e o porquê estavam, por larga margem, fora do meu alcance. Em parte fico feliz de tal me ter acontecido, significa que aproveitei o filme como um fã e não como um autoproclamado intelectual de cinema que, certamente, sabe muito mais do que o realizador, e faria um trabalho muito mais competente. Pois bem, o tempo passou e, inevitavelmente, comecei a dissecar o filme e a refletir no porquê de um super-herói que em criança nunca foi dos meus favoritos me ter feito sair do cinema com tal satisfação. Acabei por chegar à conclusão de que se deve a dois principais motivos: o quão o filme está confortável com o próprio tom, e a mensagem bonita e importante que nos transmite.

Para me fazer entender quando digo que o filme está confortável com o seu próprio tom, teremos que recuar aos anos 90. Época em que filmes baseados em «comic books», salvo algumas exceções, eram rejeitados, ridicularizados ou menosprezados devido ao seu tom extravagante e de fantasia (embora também faltasse qualidade narrativa). Isto levou empresas como a Marvel a optar por uma abordagem mais séria e, de certo ponto de vista, mais realista — no fundo, algo que se relacionasse mais organicamente com o mundo real. Recorrendo ao inglês, creio que a palavra «grounded» seria a definição ideal. A saga «X-Men» foi a pioneira desta estratégia, no entanto, o expoente máximo foi o universo cinematográfico da Marvel (MCU), que durante 14 anos obteve um sucesso inigualável, o que habituou a audiência a este tipo de abordagem. Quando o próprio MCU assumiu um tom mais fantasiado e fiel aos «comics», o sucesso não tardou a declinar. É por isso, e após esta longa e desinteressante explicação, que eu admiro o tom totalmente fantasiado e distante da realidade deste filme. Para terem uma noção, a primeira cena envolve um castelo de gelo gigante a sair do chão… Monstros de outros planetas a causar destruição na cidade, parece só mais uma terça-feira. O vilão é um milionário com um arranha-céus no centro da cidade, existe um universo que só é acessível através de portais, membros de um jornal pilotam casualmente uma nave espacial e, a cereja no topo do bolo, o Super-Homem tem um cão com poderes. Enfim, parece que estamos numa «comic book» versão live-action, o que eu não só respeito como adoro e admiro a coragem de finalmente fazer algo diferente, sem medo. Acho que o melhor exemplo do conforto total com o tom é o facto de o vilão utilizar vários macacos em frente a computadores para manipular a opinião online do Super-Homem, o que poderia ser substituído por algo realista e plausível como bots, mas James Gunn torna claro que, se estamos à procura de realismo, deveríamos ir assistir a documentários originais da Netflix.

No que diz respeito à mensagem transmitida pelo filme, creio que tal se deve à forma brilhante com que James Gunn interpreta esta personagem. Na verdade, o Super-Homem é como qualquer um de nós: ele passa dificuldades nas suas relações, é bem-intencionado, mas nem sempre as coisas correm como planeado, ele ama, ele sofre, ele tem medo… no fundo, ele é um humano, e esse é o seu maior superpoder. Frase muito bonita, de facto. Gostaria de ser digno do reconhecimento; contudo, tenho de dar a mão à palmatória e admitir que grande parte foi diretamente retirada do filme. Acho que o melhor exemplo da humanidade do Super-Homem neste filme é, ironicamente, quando este se entrega e é capturado apenas para salvar o seu cão, com base na premissa de que ele tem medo e está sozinho. Uma decisão puramente emocional, sem qualquer sentido lógico, o que, a meu ver — baseado na minha experiência pessoal —, faz parte da essência humana, dado que as nossas relações, sejam com outros humanos ou não, são o nosso melhor atributo. Para além de pôr o Super-Homem ao nosso nível, o filme também nos coloca ao nível do Super-Homem. Ou seja, tal como há um humano dentro do Super-Homem, também há um Super-Homem dentro de nós. Obviamente, não me refiro a superforça, voar ou visão laser, entre muitos outros, mas sim a ajudar o próximo, ter empatia, fazer o bem independentemente do que a maioria pensa, ter esperança e, acima de tudo, estender a mão a quem precisa. Todos estes aspectos estão presentes e exemplificados no filme. Embora não se trate de uma mensagem revolucionária nunca antes vista, não me recordo de outro filme do género que a colocasse de forma tão subtil. Tenho a certeza de que, se cada um de nós colocasse (nem que fosse um) destes aspetos em prática, o mundo seria um local ligeiramente melhor.

Sendo estes os meus aspectos favoritos desta longa-metragem, não significa que os outros não mereçam o devido reconhecimento. Primeiramente, tiro o chapéu a David Corenswet (Super-Homem), que traz à vida na perfeição a visão de James Gunn da personagem. A sua representação de um ser imperfeito, mas bem-intencionado, enfatiza a humanidade da personagem. Ainda que curto, o seu papel como Clark Kent é tão fiel ao material de origem quanto possível. Também achei perspicaz a decisão de abordar a relação entre Lois Lane e o protagonista numa fase inicial e frágil, ou seja, em vez de ser o clássico amor à primeira vista ou uma relação já consolidada, vemos uma relação que passa dificuldades como qualquer outra, humanizando, mais uma vez, a personagem. Por último, tenho de dar as flores a Nicholas Hoult (Lex Luthor), que encarna o papel de um hater na perfeição. Sem exageros, a única motivação de Luthor neste filme é o seu ódio profundo pelo Super-Homem — e acreditem que chega e sobra.

Numa nota final, fico desiludido com a quantidade de comentários online que tenho lido a tentar politizar este filme (quer à esquerda como à direita), ao compará-lo com conflitos reais no presente. Para contexto, o Super-Homem protege um país menos desenvolvido contra uma potência militar. Para mim, trata-se apenas de um super-herói a proteger os mais fracos — algo simples, eficaz e perfeito para reforçar o Super-Homem como um símbolo de esperança. Sinceramente, não percebo qual o motivo de tentar criar polémica num filme sobre um indivíduo que utiliza leggings azuis com umas cuecas vermelhas por cima, mas cada um sabe de si…

Assim, considero que esta é a versão do Super-Homem que, até à data, capta melhor a essência do icónico herói. Após longos anos, posso afirmar com certeza que o futuro da DC parece entusiasmante — e tudo isto se deve ao homem desaproveitado pela Marvel, James Gunn, que assina mais um projeto de muita qualidade. E, para acabar da forma mais clichê possível, não se esqueçam: existe um super-homem dentro de todos nós — e sim, neste caso, prometo que a frase é minha.

Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Francisco Empis.

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