Quem diria que, 36 anos depois, estaríamos de volta ao mundo bizarro de Beetlejuice? Aparentemente, nem o próprio Tim Burton, conhecido por evitar sequelas como o diabo foge da cruz. Mas eis que surge Beetlejuice Beetlejuice, o que prova que até os mais resistentes podem sucumbir à tentação da nostalgia. Afinal, quem pode resistir a um bom cheque da Warner Bros, não é mesmo?
O Retorno do Fantasma Mais Irreverente do Cinema
Sejamos honestos: o Beetlejuice original é um filme… ok. Sim, leram bem. Não me apedrejem ainda, fãs fervorosos! É um filme que, sem a presença magnética e caótica de Michael Keaton, provavelmente teria sido esquecido nas prateleiras empoeiradas dos vídeo-clubes. Mas Keaton, ah, Keaton! Ele elevou aquele filme mediano a um status de clássico cult com a sua performance frenética e inesquecível. E agora, décadas depois, ele está de volta, provando que algumas coisas simplesmente não envelhecem – ou, no caso de Beetlejuice, permanecem deliciosamente podres.
Beetlejuice Beetlejuice, na mesma linha, é como uma montanha-russa desenfreada num parque de diversões projetado por Salvador Dalí. É uma explosão de criatividade visual, com Burton a voltar às suas raízes de efeitos práticos que nos fazem lembrar por que nos apaixonámos pelo seu estilo único. É refrescante ver que, num mundo dominado por CGI, ainda há espaço para stop-motion, maquilhagem elaborada e cenários tangíveis que parecem ter saído diretamente de um pesadelo febril. O filme é uma festa para os olhos, sem dúvida. Mas será que isso é suficiente? Bem, depende da sua predisposição para desfrutar de algodão-doce visual.
Novos Rostos, Velhos Fantasmas
Primeiramente, o lado positivo: os efeitos práticos e o design de produção. Burton sempre priorizou o uso de efeitos práticos, e isso é evidente aqui, onde o mundo dos mortos ganha vida com cenários e criaturas fantásticas. As raras cenas em CGI, por outro lado, destacam-se de forma negativa, criando um contraste visual desconfortável. A trilha sonora de Danny Elfman também merece destaque. O seu trabalho com Burton sempre foi memorável, e aqui ele não desaponta, trazendo um toque de nostalgia aos momentos certos. E, claro, não nos podemos esquecer de Winona Ryder. A atriz reinterpreta o seu papel como Lydia Deetz com uma performance convincente, explora a conexão com o sobrenatural de forma mais profunda.
Contudo, as falhas do filme são mais numerosas. Para começar, Beetlejuice Beetlejuice parece um produto de uma indústria obcecada por sequelas desnecessárias. O primeiro filme terminou de forma satisfatória, com um equilíbrio perfeito entre os vivos e os mortos. A continuação, infelizmente, parece forçada, com um enredo previsível e personagens que não trazem nada de novo. Jenna Ortega, por exemplo, parece repetir a sua personagem de Wednesday, mas de forma menos carismática. O que é uma pena, já que Ortega tem demonstrado grande potencial em outros trabalhos.
Outro problema é o uso superficial de personagens coadjuvantes. Monica Bellucci e Willem Dafoe, por exemplo, são desperdiçados em papéis que não justificam a sua presença no filme. Michael Keaton, como sempre, brilha como Beetlejuice, mas a sua falta de tempo em ecrã é frustrante. Ele domina cada cena em que aparece, mas essas são poucas, deixando os coadjuvantes com a difícil tarefa de manter o ritmo, o que raramente acontece.
Ainda mais decepcionante é a forma como o filme trata o destino da personagem de Catherine O’Hara. Sem dar spoilers, a conclusão do arco da sua personagem é tratada como uma piada, o que destoa completamente do seu papel no filme original.
A Narrativa Caótica de Beetlejuice Beetlejuice
A história… bem, existe. Algo sobre portais para o além, dramas familiares e, claro, Beetlejuice a fazer o que ele faz de melhor: causar o caos. É previsível? Um pouco. É divertido? Bastante. É necessário? Aí é que está a questão. O filme tenta equilibrar múltiplas linhas narrativas, mas acaba por fazer malabarismos com demasiadas bolas ao mesmo tempo. Temos Lydia Deetz a lidar com uma tragédia familiar, a sua filha a descobrir um portal para o além, Beetlejuice a tramar o seu retorno ao mundo dos vivos, e uma série de novos personagens do além que parecem ter saído de uma reunião de guionistas particularmente febril.
Entre esses novos personagens, temos Monica Bellucci como uma entidade do além determinada a caçar e eliminar Beetlejuice enquanto ele foge dela. E aqui, meus caros amigos, temos o momento mais inverosímil de todo o filme. Porque, sejamos honestos, em que universo alguém fugiria de Monica Bellucci? Eu seria o primeiro na fila para ser morto por ela. O Beetlejuice é maluco mesmo. É neste ponto que a suspensão da descrença realmente falha. Qualquer pessoa com um pingo de bom senso estaria a correr em direção a ela, não para longe. Burton realmente ultrapassou os limites da fantasia com esta!
Esta abundância de enredos resulta numa narrativa que, embora nunca seja aborrecida, frequentemente parece desarticulada e superficial. É como se Burton estivesse tão ansioso por revisitar todos os aspetos do universo de Beetlejuice que se esqueceu de criar uma história coesa para amarrá-los.
O arco da filha de Lydia, que deveria ser o coração emocional do filme, acaba por ser previsível, superficial e, por vezes, derivativo. Paradoxalmente, o próprio Beetlejuice, a razão de ser do filme, parece por vezes um convidado na sua própria festa. As suas aparições, embora hilariantes, são esporádicas, deixando uma sensação de oportunidade perdida.
No entanto, o filme tem momentos verdadeiramente brilhantes. Há uma cena de homenagem a Mario Bava que é simplesmente deliciosa, provando que Burton ainda tem truques na manga.
Veredito
No final, a narrativa de Beetlejuice Beetlejuice é como uma viagem num comboio fantasma: cheia de sustos, risos e reviravoltas, mas quando as luzes se acendem, percebemos que demos muitas voltas para acabar praticamente onde começámos. É divertido enquanto dura, mas deixa-nos a desejar uma jornada mais significativa. A nostalgia faz o seu trabalho ao atrair o público, mas no fundo, esta é uma produção que não avança a narrativa nem os seus personagens. Há momentos que brilham, especialmente quando Keaton está em cena, mas o restante do filme parece uma tentativa apressada de capitalizar no sucesso de “Wednesday” e no legado de Burton. Como alguém que nunca foi apaixonado pelo original, posso dizer que esta sequela faz pouco para mudar a minha opinião.
Tim Burton deixou o final em aberto, sugerindo uma possível continuação. Contudo, será que precisamos de mais uma repetição de Beetlejuice? Eu, sinceramente, espero que não.
Classificação: 2.5 em 5 estrelas. Texto escrito por Vítor Carvalho.