Um repórter raptado, um polícia, uma cientista, um bilionário desaparecido, uma voz incorpórea, uma invenção inter-dimensional, um desastre apocalíptico. Fragmentos de uma narrativa que se vão montando num ciclo interminável de dimensões e multiversos. Despojando o cinema de género dos seus efeitos modernos e desconstruindo as suas narrativas de forma delicosamente auto-consciente, Ben Wheatley constrói em Bulk dos filmes mais surpreendentemente refrescantes dos últimos tempos.
Wheatley começa por nos fazer cair no meio de uma narrativa que nos faz lembrar os filmes de ficção científica dos anos 50, com uma conspiração relacionada com uma máquina inter-dimensional. Através de uma rápida montagem e ângulos estranhos, é construída uma confusão e estranhamento no espectador que pode tanto o afastar como o puxar para o filme como um buraco negro. Este estranhamento é intensificado pelo uso brilhante de uma dobragem que, mais uma vez, homenageia o cinema de género dos anos 50 e 60, que dá um charme inegável a este filme. Lentamente, vamo-nos habituando a este estilo eclético e vamo-nos apaixonando por ele, entrando nesta história que é uma narrativa sobre a Narrativa, com “n” maiúsculo. É uma narrativa auto-consciente, como se fosse, não uma peça de teatro, mas sim um ensaio, contendo algo de aparentemente amador, mas profundamente conhecedor do que está a ser feito, questionando-se arquétipos e técnicas narrativas. É um filme que chama à atenção dos seus artifícios, desde efeitos sonoros a animação stop-motion.
Ao fim do dia, este projeto de amor de Wheatley é uma homenagem tanto ao cinema e às suas narrativas como ao espectador do cinema de género. É um filme que de forma inteligente simultaneamente nos desafia e entretem, que se auto-disseca e nos convida a participar nisso. É um filme que pisca o olho ao espectador, não de uma forma pretensiosa, mas com um profundo amor pela arte. Com uma mestria sobre a História do cinema, Ben Wheatley transforma Bulk numa experiência profundamente deliciosa e até algo nostálgica que, no entanto, restaura o nosso amor e fé na sétima arte e nas suas dimensões e possibilidades infinitas.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.
