Harvey é um homem gordo heterossexual que vive uma vida solitária e monótona entre o seu apartamento e o seu emprego num laboratório universitário. Um dia, quando entra numa loja de conteúdo pornográfico, encontra uma revista erótica gay orientada para homens gordos. Com uma sensibilidade rara, Devin Shears, nesta sua primeira obra, faz-nos entrar no mundano deste homem e na sua jornada de transformação com um olhar observador e meditativo.
O primeiro aspeto que torna esta numa obra singular é o seu recurso à ausência de diálogo. Shears centra o seu olhar no corpo de Harvey, com um toque caloroso, observando o erotismo do seu corpo à medida que este se torna consciente disso. O espectador é completamente envolvido neste mundo solitário, neste homem que não consegue conectar-se com o mundo à sua volta mas que profundamente deseja esse contacto. Desta forma, a sua transformação silenciosa torna-se num grito de auto-aceitação e auto-amor profundamente avassalador sem ter que recorrer à ajuda de qualquer palavra.
Com um ritmo meditativo que nos faz lembrar os filmes de Chantal Akerman e Tsai Ming-Liang, Shears consegue sugar-nos para este quotidiano, dando força aos pormenores mais subtis da rotina que se altera e do olhar de Harvey, interpretado de forma profundamente cativante por Benjamin Turnbull. Com uma fotografia e uma banda sonora que possuem uma beleza suave, Cherub é uma jornada que possui um coração que bate com ternura, com um protagonista silencioso quase impossível de não simpatizar. É um daqueles filmes que, no meio da escuridão e da solidão da sociedade hiper-alienada contemporânea que é especialmente cruel para quem não tem um corpo normativo, consegue encontrar uma esperança e acender uma luz dentro de nós.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.
