No passo acelerado da nossa contemporaneidade, é nos alheia a crueldade fria do mundo humano à nossa volta. Mas através de um olhar exterior, talvez seja possível ter outra perspetiva sobre este mundo no qual participamos, passando a ver algo diferente do que percecionávamos. Eo, um burro adorável com origens atribuladas, navega este estranho mundo a que chamamos de civilização. Jerzy Skolimowski aliena qualquer perspetiva humana, centrando o seu filme nesta personagem animal, tornando-o no nosso guia, que nos fará alterar o nosso olhar sobre o mundo ao longo deste filme tão preenchido da beleza da natureza tal como a crueldade humana.
Em EO, é a natureza que é centrada, sendo a tecnologia submetida para dar voz a esta. Skolimowski joga com uma constante contradição dentro do filme, construindo um dos filmes mais inovadores dos últimos anos, tecnologicamente e filosoficamente. Somos mergulhados neste mundo visto por um burro, um mundo deslumbrante e belo mas também confuso e agressivo. Através de uma cinematografia e design de som estonteantes, o espectador é inundado por sensações poderosas, fazendo com que este filme seja um verdadeiro espetáculo dos sentidos.
O espectador é assim convidado a ligar-se emocionalmente ao protagonista silencioso mas carismático do filme. É difícil não se sentir afeto pelo olhar deste burro amistoso que sofre tantas adversidades e aventuras. E é através deste olhar – um olhar exterior ao mundo humano – que vemos a loucura tumultuosa, insensível e cruel do mundo humano, que se ergue opressivamente sobre Eo e o mundo natural. Num exercício talvez contraditório, visto que é um elemento constantemente disruptivo durante o filme, Skolimowski alia a inovação tecnológica com a construção desta perspetiva. Seja através de uma montagem frenética, drone shots impressionantes, ou cores alteradas que parecem engolir o mundo, esta perspetiva diferente é construída e uma nova perspetiva sobre a humanidade e a sua relação com a natureza é revelada.
Através disto, Skolimowski alia espetáculo e política, criando uma viagem cinematográfica que nos impacta de uma forma única. Para além disso, faz o feito verdadeiramente inovador de construir uma visão cinematográfica completamente nova. Desta forma, EO torna-se num filme verdadeiramente revolucionário, não só no uso da tecnologia , mas na forma como altera completamente a perspetiva que o espectador tem acesso – perspetiva essa que supera a do ser humano, tirando-o do centro do cinema (e do mundo).
Acompanhando os diversos encontros de Eo com diferentes personagens, tanto humanas como animais, é nos oferecida uma nova perspetiva sobre o mundo, uma perspetiva que ignoramos no nosso dia-a-dia. Faz pensar de modo diferente sobre a nossa ação sobre o planeta e o resto dos seres vivos com quem o partilhamos. E se isto não bastasse, Skolimowski deixa-nos com um final que funciona como um soco na barriga, materializando de forma eficaz a sua mensagem e crítica profundamente política.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.