Depois de um longo processo, 26 obras pilhadas pelo império francês do tesouro real do reino do Dahomey, no atual Benim, foram restituídas ao seu país natal. Seguindo a sua viagem, Mati Diop transforma o que poderia ser um documentário simples sobre a história do colonialismo no continente africano numa inquietante experiência mística que expõe feridas profundas nunca saradas. Descartando uma narrativa de perspetiva europeia, Diop foca o seu olhar no indivíduo africano e na sua relação com a sua história e a sua identidade, e o que estas estátuas, que são apenas 26 de 7 mil presentes em território francês, fazem acordar.
Misturando ficção e documentário de uma forma bastante única, Diop aborda as várias questões abertas por este filme de diversas formas. Por um lado, é observado o questionamento da populaçao jovem de Benim. Num debate efervescente, debate-se o que significa a identidade africana, como esta é construída, como esta foi impossível de construir pelo difícil acesso ao próprio passado do povo africano – pois este está aprisionado em museus na Europa. Também é questionada a intenção e as consequências destas devoluções – porquê só estas 26? Porquê estas 26? – tal como é questionado o domínio da burguesia nacional de Benim (tal como de todos os países africanos) e a sua aliança com o poder neo-colonial.
No entanto, este questionamento também é conduzido pela ficcionalização de um espírito que assombra uma das obras, que representa o Rei Ghézo, que governou o reino do Dahomey entre 1818 e 1859. Este espírito traz um misticismo inquietante a este documentário, dando voz ao passado que foi deliberadamente usurpado e apagado e que só agora está a ser recuperado. Uma voz grave, sinistra e divina que ressoa desde os confins de um ecrã negro e que se entranha em nós, criando calafrios e acordando feridas do passado – é esta a magia que Mati Diop cria e através da qual consegue criar um filme que verdadeiramente centra o indivíduo africano revelando a sua identidade ambígua.
Este é um documentário curto, durante pouco mais de 1 hora, mas cujo poder e complexidade são tremendos. É um documentário que levanta mais questões do que responde, principalmente porque muitas destas questões são dificilmente resolvidas, mas o seu valor está exatamente neste levantar de questões, pois é este levantar que é necessário acontecer neste momento histórico – cabe a cada um de nós tentar dar respostas. É um questionamento audiovisual complexo e místico, um filme que se inquieta e que nos inquieta, e dificilmente deixará alguém indiferente.
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Jasmim Bettencourt.