Este ano tivemos dois filmes de animação 3D muito interessantes com curiosas semelhanças. Ambos trataram o seu CGI com uma textura mais orgânica parecendo uma pintura de pastel digital num processamento HDR com algum efeito “blow” (mais visto em videojogos como “The Last Guardian” e “Shadow of the Colossus” de Fumito Ueda) com paletas de cores realistas e vivas. Ambos têm personagens principais não humanos, ambos confrontados num mundo selvagem em modo sobrevivência. Grande ênfase na natureza e nos animais. Ambos exploram a temática da morte, da solidão, da entre-ajuda e companheirismo. Aquele que faço esta crítica explora mais a questão da maternidade. Um teve grande sucesso e percurso de festivais, e cruzando os dedos, chegue ao cinema em breve, falo de “Flow”. O outro mais mainstream feito pela produtora Deamworks, (que nos recorda a sua filmografia com uma logo/intro muito criativa e emocionante para os fãs do universo), estreou dia 10 de Outubro, falo do nosso “Wild Robot” (Robot Selvagem).
O filme explora tanto com humor e com seriedade o vínculo materno. Aqui, o filho é um pássaro que tem de aprender a voar para emigrar, a metáfora é bem directa. Temos uma robot que foi programada para auxiliar e vê-se então obrigada a ajudar um ganso órfão prematuro no seu processo de crescimento. Todo o seu empenho é puramente mecânico, objectivo, até que eventualmente a emoção corrompe o seu coração programado. A ideia de um robot sentir emoção não é de todo nova, (WALL-E, Chappie, e inúmeros outros), mas neste filme o foco da personagem quebrar aquilo que está programada para fazer e se dar ao luxo de maneira inconsciente em ter as suas próprias escolhas e emoções nos faz relembrar o que é a humanidade.
Numa indústria mainstream onde os filmes de animação estão presos num humor demasiado infantil e temas “não muito sensíveis” para crianças, quase como se as mesmas não tivessem direito a aprender sobre assuntos mais importantes do que a plasticidade da trivialidade de aventuras moralistas e bonécagem que são confrontadas pela indústria, “Wild Robot” não tem pudor no tratamento de certas temáticas mais sérias até com um humor negro e consegue assim trabalhar assuntos mais reais e fazer com que as crianças cresçam menos vegetalizadas e com que o público adulto se identifique com o filme.
“Wild Robot” tira proveito das novas tecnologias, a possibilidade de reprodução de objectivas, distorção e movimentos de câmera mais livres e orgânicos para tornar este universo “falso” em algo mais vivo e real. Tanto em “Flow” como em “Wild Robot” a realização foca-se no ponto de vista das personagens principais, a câmera segue-os constantemente e mete o espectador a acompanhar as personagens nas suas jornadas e emoções. “Flow” aposta mais numa câmera que conduz com imersão o espectador no universo do filme como se fosse uma entidade flutuante que acompanhe de maneira poética o gato. Já em “Wild Robot” existe também imersão mas uma escolha de planos mais versátil consoante a emoção e sensação procurada a transmitir.
A voz de Lupita Nyong’o evolui no estilo e na entonação consoante a evolução emocional da personagem: num primeiro tempo enquanto a personagem apenas age de maneira mecânica focada apenas em completar as suas tarefas, a sua voz soa mais robótica e mecânica, contudo conforme aprende o que é amar e cria o seu vínculo maternal, a sua voz torna-se mais natural. Em “Flow” os diálogos (humanos) estão ausentes por escolha de uma representação mais realista dos animais, em “Wild Robot” (quase pensamos que seria o mesmo ao ver o primeiro teaser), explora isso apenas nas primeiras sequências do filme, contudo mete de maneira inteligente os animais a falar, e diferente dos filmes infantis de que estamos habituados, aqui os diálogos são explorados com muito humor e emoção dando ênfase ao desenvolvimento e relação das personagens.
Para concluir, o filme tem todos os elementos para ser um clichê, mas o seu tratamento humilde, cru e honesto faz com que tenha uma carga emocional muito sólida e uma narrativa dinâmica e vertiginosa.
Classificação: 5 em 5 estrelas. Texto escrito por Benoît Bruère.