Ver algo de que gostamos ser desvalorizado ou subvalorizado não é fácil, e isso aplica-se também ao cinema. Para mim, foram os filmes “O Fantástico Homem-Aranha” 1 e 2, os meus primeiros filmes favoritos, a serem criticados e ridicularizados por um YouTuber com uma plataforma considerável que, na minha ótica, achava-se mais inteligente que todos e deveras engraçado, mas, no fundo, só queria atenção. Pois… passaram-se alguns anos e hoje aqui estou eu a assumir esse papel para explicar o porquê de o filme “The Matrix”, universalmente amado pelos fãs e pela crítica, apenas possuir a habilidade de me fazer rir durante praticamente toda a sua duração. Algo que, para um filme supostamente revolucionário, quer no estilo, quer na mensagem, não deveria acontecer. Preparem-se, então, para uma longa viagem ao poço de todos os clichês.
Na introdução, referi que a única qualidade deste filme é a habilidade de me fazer rir, o que é obviamente uma hipérbole, apenas para realçar o quanto este filme não me diz nada. Contudo, considero que existem pontos positivos que merecem ser mencionados. Para começar, a construção deste mundo ficcional é muito bem feita, devo dizer que o filme, ao assumir um ritmo mais lento no início, faz um bom trabalho a caracterizar este mundo e a expor a informação suficiente para o público não se questionar sobre o “como” e o “porquê” de cada momento-chave da história. Quem nunca se viu a questionar a meio de um filme o que é que está realmente a acontecer numa cena em vez de prestar atenção à cena em si? Ou seja, existe interesse e clareza narrativa, o que não abunda neste género de produções. Como era previsível, também tenho de dar graças à ação, que em momentos é verdadeiramente revolucionária e épica, mas a linha entre isso e o apenas risível e “goofy” é extremamente estreita nesta longa-metragem. Também não posso deixar de mencionar a interpretação de Laurence Fishburne e de Hugo Weaving, que, embora não sejam pináculos da atuação, merecem ser mencionados, sobretudo quando comparadas com outras neste mesmo filme, tópico que vou abordar mais adiante.
Posto isto, posso finalmente ir ao ponto que me fez escrever esta crítica: o que faz com que este filme, considerado um clássico, pura e simplesmente não me convença. Muita gente diz que é o conceito e a mensagem filosófica que realmente tornam “The Matrix” revolucionário, contudo, o conceito de um mundo pós-apocalíptico controlado pela inteligência artificial não era propriamente novo na época; basta lembrarmo-nos do filme “Exterminador Implacável 2”. Acontece que o único aspeto verdadeiramente novo é o enquadramento da humanidade na história, que nos leva ao tão conhecido debate: preferimos viver num mundo fictício onde somos felizes ou num mundo real em que temos de enfrentar dificuldades? Ainda que os prós e os contras sejam bem apresentados através da vida das personagens dentro e fora da Matrix, a meu ver, o filme não nos convida propriamente a uma reflexão, dado que todos os personagens que defendem a primeira opção estão dispostos ou a trair e assassinar todos os seus amigos ou a aniquilar toda a raça humana, o que, como devem calcular, não gera qualquer empatia – um fator importante quando estamos a falar de um filme que nos quer colocar a dúvida entre dois modos de vida.
Mesmo que a mensagem filosófica não seja idealmente apresentada, o filme ainda poderia envolver-me com uma história cativante e original ou com personagens memoráveis que dão vida ao ecrã… mas não, este filme não passa de um grandessíssimo clichê em todos os níveis. Não estou a exagerar quando digo que vou ter dificuldade em encaixar tudo num só parágrafo, assumindo que tenho a sorte de me lembrar de todos. Este filme é verdadeiramente o poço dos clichês. Para começar, temos mais uma de mil histórias em que o nosso protagonista é “o escolhido” segundo uma profecia. Profecia essa que dita tudo o que acontece na narrativa, ou seja, os nossos protagonistas não agem por vontade própria consoante a sua personalidade, nada disso; todos os momentos-chave são obra do destino, previstos por um oráculo que, como podem adivinhar, fala de forma misteriosa. Mas não ficamos por aqui, porque o protagonista, Neo, acaba por morrer, mas é revivido por um beijo da sua amada, que, como se não fosse mau o suficiente, só o ama porque a profecia dizia que ela iria amar o escolhido. Eu não estou a exagerar quando digo que, no máximo, estes dois tiveram uma cena minimamente romântica. A este ponto, pergunto-me se estou a assistir a um filme da Disney.
Acho que já esclareci porque é que este filme faz-me rir durante toda a sua duração, mas, felizmente para o meu conteúdo, há mais, visto que o clichê não se fica só pela história. Para além de o diálogo parecer que foi escrito por um robô, pois nenhuma fala parece natural, o realizador insiste num estilo que envolve “one-liners” enquanto a câmara está em “zoom” na cara de uma personagem, o que, sem dúvida, produz dos momentos mais invertidamente engraçados do filme. Isto vai ser uma opinião impopular, mas seja o que for que Keanu Reeves possui de bom como ator hoje em dia, certamente não o possuía em 1999, pois a sua atuação, assim como a de Carrie-Anne Moss (o interesse amoroso), chega ao ponto de ser risível e não tem qualquer vida. É verdade que o diálogo e a realização não ajudam, mas, como referi acima, há atores que se destacam mesmo nestas circunstâncias. Eu sei que já toquei neste ponto anteriormente, no entanto, as cenas de ação variam verdadeiramente entre o brutal/inovador até ao ponto em que me questiono se foi uma criança de 8 anos que se lembrou de alguns planos de filmagem. Vejam a cena do Kung Fu e percebem de imediato do que estou a falar. Realmente acho que a cereja no topo do bolo de todos os clichês é o quão este filme se leva a sério, mesmo sendo absolutamente hilariante.
No meu artigo anterior, introduzi um parágrafo para mencionar aspetos do filme que podiam ser melhorados ou simplesmente não fazem sentido, e, tendo em conta a minha crítica até agora, estou confiante que “The Matrix” se qualifica para tal parágrafo, por isso, aqui vai. Primeiramente, o filme quer que acreditemos que o protagonista e os seus companheiros estão numa missão nobre para salvar o futuro da raça humana, embora nos seja dito que a maioria dos antagonistas está a agir contra a própria vontade, o que significa que os nossos heróis estão a matar pessoas inocentes em quantidades industriais. Isto poderia ser facilmente resolvido com algum detalhe narrativo, mas acho que o filme está demasiado ocupado a ser revolucionário para se preocupar com problemas ligeiros como este. Sendo mais específico agora, tenho de apontar uma cena que, genuinamente, fez-me rir em voz alta – acompanhem-me que vale a pena. A certa altura da história, Neo quer resgatar o seu amigo, que está preso numa sala com vários inimigos; para isso, tem a brilhante ideia de metralhar por completo a sala, o que obviamente faz com que os inimigos sejam obrigados a recuar, saindo da sala. A minha questão trata-se de como é o indivíduo que está no centro da sala, inconsciente e preso a uma cadeira, não é atingido por qualquer bala. Desculpem, isto é apenas absurdo. Eu sei que não são aspetos superficiais como este que definem um filme, até porque o realismo não é o objetivo em nenhum momento, mas isto tinha de ser apontado por alguém.
Numa nota final, não me ocorre o porquê deste filme ser considerado revolucionário num sentido positivo. Das duas, uma: ou o cinema antes de 1999 era péssimo (que não é o caso), ou o público viu Neo a desviar-se de balas de uma forma criativa e ficou instantaneamente convencido. Quem sabe, porventura, haja uma terceira opção, que envolve apenas eu, à semelhança daquele YouTuber, considerar-me super engraçado e inteligente e, por isso, menosprezar um filme universalmente amado para ter atenção. Todavia, uma coisa é certa: tenho de agradecer a “The Matrix” por fazer-me acreditar que tenho um futuro como crítico com sentido de humor que pode ir contra a opinião convencional, porque o trabalho nunca foi tão fácil como foi aqui.
Classificação: 2 em 5 estrelas. Texto escrito por Francisco Empis.