Ninguém me tira da cabeça que a profunda ironia é A arma artística do século XXI… Há quem se muna desta melhor ou pior, com mais ou menos arte, mas o mundo despede-se da lógica sem desviar os olhos de um ecrã e há quem apure as maravilhas dessa dissociação sem se recorrer a sociedades distópicas ou mundos distantes do atual. Sebastián Silva encara a câmara de frente, chama-lhe espelho e cheira-lhe cetamina (estava mesmo convencido que se escrevia quetamina…) em cima.
Dado às falhas de comunicação e ao exercício orgânico de captação por câmaras manuseadas sem recurso a tripé, Rotting in the Sun vai escalando e tropeçando em si mesmo como se o tédio fosse uma inevitabilidade, apenas visto de dentro – a sala estava entretida, ria às gargalhadas e seguia o fluxo do estúdio à praia de nudistas, da praça central à quinceañera da sobrinha da Dona Vero. Não sei ao certo para quem estou a escrever este delírio, quiçá uma de duas:
Hipótese a)
A pessoa leitora/espetadora que já viu o filme e está aqui pela galhofa a ver se lhe falo de um Total Eclipse Of The Heart (épico), versão karaoke, em gibberish ou da trapalhada geral com recurso a escadotes e veneno para cães que podia ser um Cluedo ao contrário. A esta pessoa deixo um sentido abraço por partilharmos o hemisfério de espetador e o delírio coletivo de uma ode aos desentendimentos e ao scroll infinito.
Hipótese b)
A pessoa que não faz ideia do que estou a escrever porque de repente há todo um espetro referencial e rapidamente se fica despido de contexto para sequer farejar uma nesga de sintonia. A esta pessoa faço votos de que apanhe o filme o quanto antes e volte enquadrada na Hipótese a) para podermos sentir que a influência existe e vai além-internet. Agora por extenso – “Este filme é bom, vejam-no!”.
Para finalizar o cocktail com uma simpática sombrinha a adornar, deixo um parecer irrelevante: a tragédia e a comédia só podem andar a fazer amor em barda; fusões destas não acontecem sem uma boa esfrega…
Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Manuel Seatra.