1970, o ano em que, vindo da extinta Checoslováquia, se julgou que, num Portugal (ainda) em ditadura, poderia ser passado o filme Valerie and Her Week of Wonders. Houve ousadia mas, como se previa, seriam precisos mais quatro anos para lhe dar tom, sobretudo tratando-se de uma película recheada de innuendos e havendo uma PIDE tão condescendente para com os públicos e seus entendimentos…
O filme é intenso do início ao fim, serve-se do surrealismo que inunda essa Era Dourada do Cinema de Leste e fica nas cordas da sensualidade, da religião e do fantástico. Abundam as sensações de deja vu numa alucinação tal que chegava a questionar-me “Então mas esta parte não tinha já sido?” ao sabor de metáforas para a perda da inocência e noção do maligno. Onírico é pouco para uma obra tão envolta em névoas de sonho e pesadelo. A estética mistura o beatismo conventual e o sombrio gótico que culminam num puzzle imenso de muito beijo na boca e deslumbramento quase constante, seguindo-se os suspiros e a confusão da protagonista.
Pode considerar-se Valerie and Her Week of Wonders um pedaço de História do Cinema que cruza com a imaturidade de uma ditadura inculta e bafienta. Mantenha-se na memória a urgência de se preservar a democracia e a Liberdade que o povo fez há 50 anos.
Texto escrito por Manuel Seatra. O filme aqui abordado faz parte da programação da 18ª edição do MOTELX.